Utopia e Morte no Califado
A notícia tornou-se “viral”, como hoje se diz, como “viral” foi cada uma das informações vindas desse reino de terror que o agora desaparecido líder criou, com muitos, muitos outros, entre a Síria e o Iraque.
Vítima de uma operação especial americana, na sequência de informações colhidas pelos serviços secretos iraquianos, morreu, Domingo último, o chefe do auto-denominado Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi. A sua triste fama está associada a uma das aventuras mais sinistras deste já tão conturbado século XXI: a romagem de milhares e milhares de adolescentes e jovens adultos para o Médio Oriente, correspondendo ao apelo de um “iluminado” e ao uso sofisticado da Internet como forma acessível de recrutamento para a edificação do “Estado Islâmico Puro”, exclusivamente governado segundo a “Sharia”, ou lei corânica, na sua versão extrema, inspirada, segundo uma interpretação radical, nos ensinamentos do fundador do Islão.
Um dos factos que mais abalou a boa consciência dos ocidentais, e nomeadamente dos europeus, nestes últimos anos, foi o modo aparentemente tão simples de radicalização de jovens criados em famílias muçulmanas, nas periferias das grandes metrópoles europeias.
Desde a declaração do Califado em Junho de 2014, o auto-proclamado Estado Islâmico conduziu ou inspirou centenas de ataques terroristas em mais de trinta países, além do Iraque e da Síria, onde a sua carnificina teve um custo muito mais mortífero. Esses ataques mataram pelo menos três mil pessoas e feriram vários milhares mais.
A realidade do terrorismo internacional é muito complexa e requer um estudo cada vez mais aprofundado. Pode ser difícil adivinhar o papel preciso que os terroristas internacionais desempenham neste ou naquele ataque. Também pode ser difícil obter informações precisas sobre alguns ataques, mas está claro que os tentáculos mortais do ISIS se espalharam rapidamente desde o epicentro do grupo terrorista no Iraque e na Síria até muitos lugares em todo o mundo.
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Mas qual o objectivo deste, como de vários outros grupos terroristas, como a famigerada Al-Qaeda, associada indelevelmente à grande tragédia do 11 de Setembro?
O ISIS pretende voltar aos primeiros dias do Islão, rejeitando todas as inovações na religião, que acredita corromperem o seu espírito original. O grupo condena os califados posteriores ao fundador e ao Império Otomano, por se desviarem do que chama de “puro Islão” e procura reviver o projecto wahhabi original de restauração do califado governado pela estrita doutrina salafista.
Seguindo a tradição salafi-wahhabi, o ISIS condena os seguidores da lei secular como descrentes, colocando nomeadamente o actual Governo da Arábia Saudita, onde se situam os dois lugares mais sagrados do Islão, nessa categoria.
Os salafistas, como os que compõem o ISIS, acreditam que apenas uma autoridade legítima pode assumir a liderança da “jihad” (luta santa) e que a primeira prioridade sobre outras áreas da sua luta, como combater países não muçulmanos, é a purificação da sociedade islâmica. Por exemplo, o ISIS considera o grupo sunita palestino Hamas como apóstata, que não tem autoridade legítima para liderar a “jihad”, e vê o combate ao Hamas como o primeiro passo para o confronto do ISIS com Israel.
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A actualidade sinistra do grupo não pára. O ISIS reagiu com alegria às notícias da retirada planeada pelo Presidente Donald Trump das tropas americanas da Síria, prometendo que em 2019 as ameaças terroristas do ISIS «chegarão à América».
Num novo vídeo, o ISIS prometeu que o seu poder ressurgiria em 2019, exactamente como aconteceu quando o ex-Presidente Obama retirou as tropas americanas do Iraque. «Eles [os americanos]previram que não podem lutar contra nós para sempre», declara o vídeo, mostrando Obama a chamar as tropas americanas do Iraque: «Eles continuam a repetir os mesmos comportamentos auto-destrutivos».
O vídeo continua: «Dizemos aos americanos, aos protectores dos judeus e aos protectores dos cruzados, que quer se retirem quer não, a nossa vitória está na continuação da nossa luta». «Mesmo que se retirem, voltarão em breve. Se não puderem voltar atrás, invadir-vos-emos em todos os lugares e ouvirão os nossos passos no chão. A luta está apenas a começar e estamos confiantes na vitória de Allah».
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O grupo prometeu continuar até que pudesse «orar em Roma» – uma referência à profecia apocalíptica islâmica do fim dos tempos, com “Roma” a aludir à conquista do país que é o líder do Ocidente: os Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, outros “sites” dos media controlados pelo ISIS divulgaram fotos dos alvos mundiais do grupo terrorista para 2019, incluindo a Estátua da Liberdade em Nova Iorque, o Conselho de Segurança das Nações Unidas em Nova Iorque, o Big Ben em Londres, a Muralha da China, a estátua de Merlion em Singapura, a Torre Eiffel em Paris, o Taj Mahal na Índia, a Estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, o Coliseu em Roma, as Torres Petronas em Kuala Lumpur…
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Mas qual a resposta da nossa Igreja, e de todas as religiões amantes da paz, à violência terrorista “em nome de Deus”, promovida pelo ISIS e outros grupos similares?
Católicos, muçulmanos e todos os que acreditam em Deus devem trabalhar juntos para construir uma cultura de amor, paz e fraternidade humana, disse o Papa Francisco numa declaração conjunta que assinou com Ahmed el-Tayeb, grão-imã de al-Azhar, durante um encontro inter-religioso em Abu Dhabi, a 4 de Fevereiro deste ano, numa viagem destinada a promover o diálogo inter-religioso e a apoiar a minoria cristã do País. Francisco foi o primeiro Papa a visitar a Península Arábica.
O documento, intitulado “Um documento sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a convivência mundial”, convida “todas as pessoas que têm fé em Deus e fé na fraternidade humana a unirem-se e a trabalharem em conjunto para que sirvam de guia para as futuras gerações avançarem para uma cultura de respeito mútuo, na consciência da grande graça divina que torna todos os seres humanos irmãos e irmãs”. A declaração debate a importância da religião na construção de uma sociedade pacífica e livre, e os desafios de um mundo cada vez mais secular, condenando além do mais todas as práticas e políticas prejudiciais à vida e à liberdade humanas.
Num parágrafo sobre liberdade humana o documento afirma que a pluralidade religiosa é desejada por Deus: “O pluralismo e a diversidade de religiões, cor, sexo, raça e linguagem são desejados por Deus na Sua sabedoria, através da qual Ele criou seres humanos”. E acrescenta: “Essa sabedoria divina é a fonte da qual deriva o direito à liberdade de crença e a liberdade de ser diferente. Portanto, o facto de as pessoas serem forçadas a aderir a uma certa religião ou cultura deve ser rejeitado, assim como a imposição de um modo de vida cultural que outras pessoas não aceitam”.
Carlos Frota