«Queremos que os refugiados possam não só sobreviver, como também prosperar»
O representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados na China, o cambojano Vanno Noupech, esteve em Macau esta semana para reatar contactos e restabelecer ligações com as autoridades da RAEM, ao fim de três anos em que o acompanhamento prestado pela agência especializada da Organização das Nações Unidas se fez apenas à distância.
Para além de um encontro com responsáveis pelo Instituto de Acção Social (IAS), Vanno Noupech esteve reunido, na terça-feira, com o secretário-geral da Cáritas, Paul Pun. A visita do diplomata cambojano – ele próprio um antigo refugiado – serviu também para procurar sensibilizar a população de Macau para um desafio com contornos cada vez mais evidente à escala global.
Em 2022, o número de refugiados e deslocados superou pela primeira vez a barreira dos cem milhões de pessoas. Os conflitos armados, a violência, as perseguições e a violação dos Direitos Humanos foram os motivos mais imediatos que levaram milhões de pessoas a fugir das suas terras e, em muitos casos, dos próprios países. Centenas de milhares acabam por requerer asilo ou por solicitar o estatuto de refugiado em países de acolhimento, uma tendência a que a China continental, Macau e Hong Kong têm sido poupados.
Vanno Noupech reconhece que o número de refugiados e de requerentes de asilo que solicitam a ajuda e a compreensão das autoridades chinesas não é significativo, muito graças ao facto da China estar geograficamente afastada dos principais focos de conflito a nível global. «Os refugiados, os requerentes de asilo que temos nesta parte do mundo são, principalmente, o que chamamos de refugiados excedentários. O mais das vezes chegam cá por razões completamente diferentes. Vêm para fazer negócio ou para estudar e, entretanto, há algo que acontece e eles vêem-se impossibilitados de regressar a casa», explica o representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) na China. «O que acontece é que alguns optam por solicitar protecção a título temporário. Nós trabalhamos com as autoridades chinesas para identificar quem apresenta razões legítimas para requerer o direito de asilo e tentámos ajudá-los a encontrar soluções duráveis. Mas não temos tantos pedidos quanto isso», assume o diplomata.
Apesar de não integrar a lista, cada vez mais extensa, dos países que acolhem as grandes levas de populações deslocadas, a China é um parceiro cada vez mais significativo do ACNUR. As autoridades chinesas apoiam, através do Fundo de Desenvolvimento Global, vários dos projectos que a agência da ONU tem actualmente em mãos, mas o apoio chega também – e de forma cada vez mais significativa – da própria população chinesa. «No que toca ao sector privado, o volume de donativos de Hong Kong e da China continental triplicou. Em Macau, apesar do Covid-19 e de todas as dificuldades que nos impediram de cá vir durante muito tempo, temos um número bastante estável de doadores, que cresceu até ligeiramente. O trabalho do ACNUR não passa apenas por assegurar assistência básica, ao nível da alimentação e das primeiras necessidades. Queremos que os refugiados possam não só sobreviver, como também prosperar. Vemos uma maior discussão sobre os refugiados no seio da sociedade, mas temos também cada vez mais apoiantes na China e em Hong Kong e esperamos que este número possa crescer também aqui em Macau», confessa Vanno Noupech perante os jornalistas.
Se o apoio financeiro e o encorajamento da população chinesa se têm revelado importantes, as autoridades de Pequim também têm feito a sua parte. O Governo Central apoia com subvenções financeiras projectos de apoio a populações deslocadas que o ACNUR garante em países como o Afeganistão e o Bangladesh. «O meu trabalho na China, como dizia, passa também por facultar assistência ao Governo para que possa desempenhar um papel mais activo na resolução da actual situação global no que toca aos refugiados. Sentimo-nos incentivados pelo esforço feito pela população chinesa, mas também pelo Governo, no sentido de garantir que um contributo regular chega ao ACNUR», refere, acrescentando: «Temos projectos financiados pela China no Afeganistão, no Bangladesh e em outras regiões, como por exemplo, a África Ocidental. A China faz um esforço importante e, da nossa parte, esperamos apenas que estes projectos possam aumentar. Mas não se trata apenas de apoio financeiro. Há também a questão do apoio político. A China tem feito repetidos apelos em diferentes fóruns, no próprio Conselho de Segurança da ONU, para que se preste uma maior atenção e se ofereça um maior apoio ao ACNUR. Este tipo de apoio também é extremamente importante».
No tabuleiro do xadrez diplomático em que se move, o representante do ACNUR na China, função que ocupa desde 2021, foi incumbido de diligenciar soluções para dar resposta a novos desafios associados às deslocações forçadas de populações. Um dos mais significativos é o impacto ecológico das vagas massivas de refugiados que procuram escapar a situações de conflito: «Estamos a tentar também dialogar com o sector privado, no sentido de diligenciar soluções mais ecológicas. Estamos a tentar reduzir o impacto que as deslocações forçadas têm no ambiente, nomeadamente no que toca ao recurso ao plástico. Tudo aquilo que adquirimos à volta do mundo e, obviamente, na China, estamos a tentar fazer com que esses produtos sejam mais amigos do ambiente. Estamos a tentar encontrar novos materiais e novas tecnologias para lidar com esta questão».
O Comité dos Direitos Humanos da ONU questionou, em Julho do ano passado, sobre a razão pela qual as autoridades da RAEM nunca atribuíram o estatuto de refugiado a requerentes de asilo. Na altura, o Governo tinha em mão dois pedidos que aguardavam resposta há mais de uma década. De visita a Macau pela primeira vez, Vanno Noupech não se alongou sobre a matéria, mas defendeu que o mais importante é garantir que os requerentes de asilo não são enviados à força para os países de origem, onde enfrentam muitas vezes risco de vida. «Muitos casos foram encerrados. Alguns dos requerentes dão-se por satisfeitos por poder manter o estatuto que lhes permitiu ir ficando durante tantos anos. O importante é que não sejam enviados para países onde possam correr risco de vida», disse.
Marco Carvalho