As quarentenas são o que são e valem o que valem. Em Portugal, quando escrevo esta crónica, estamos no segundo dia de isolamento voluntário recomendado pelo Governo. Sendo voluntário, como já ouvi muitos dizer, é só para quem quer! E eu acrescento – sempre – que não é para quem quer, mas para quem pode! Porque existem muitos que, por uma ou outra razão, não o podem fazer mesmo que queiram.
A irresponsabilidade que se vê por Portugal inteiro também se viu noutros países – Macau incluído –, pelo que ver pessoas com complexos de superioridade dizer que aqui ou ali se faz melhor, ou que sabem mais, sinceramente não ajuda nada. Cada caso é um caso e, em última instância, quem não está bem, muda-se! Nós estamos em Portugal e fazemos os possíveis para protegermos a nossa saúde e a de quem nos rodeia.
Em Portugal existem realidades diferentes, tão díspares e diversificadas como o próprio País. Se no Norte, onde, tudo indica, se localizam os piores focos (até à data desta crónica), as sugestões do Governo dizem ter sido bem acolhidas e as pessoas terem, na sua maioria, ficado em casa (as que podiam, claro!), também foi a Norte que se realizou uma festa com o tema Corona! A Sul apontam o dedo a Lisboa, apesar da suposta foto da farra no Cais do Sodré ser de outra data… Já quem olha para a província, com as suas aldeias e vilas, pode constatar outra realidade.
Como a maioria dos leitores que nos acompanha sabe, vivemos em Mira, uma pequena vila do distrito de Coimbra, plantada entre Aveiro, Figueira da Foz e Coimbra. Está geograficamente bem localizada, mas conta com apenas dez mil habitantes. Das duas únicas vezes que tive de sair de casa reparei que a vida decorre normalmente, apesar de grande parte dos estabelecimentos estarem fechados. Claro que ainda se vêm velhinhos nos jardins e se queremos encontrar alguém e ouvir as últimas notícias, temperadas com alguma suposta sabedoria popular, é ir aos supermercados de Mira, que passaram a controlar as entradas, obrigando os clientes a esperarem no exterior com a senha na mão.
Se nas cidades – estávamos em Lisboa no dia em que foi anunciado o isolamento (foram duas semanas a trabalhar no “food truck”) – é fácil as pessoas ficarem em casa e viverem uma vida (quase) normal, nas vilas e aldeias a realidade é completamente diferente.
Se nas cidades há “UberEat” e outros serviços que levam comida a casa, se há supermercados “online” que fazem as entregas no dia seguinte, nas vilas e aldeias tal não existe e as pessoas são mesmo obrigadas, de tempos a tempos, a sair à rua. Com a proliferação de “Intermarchés” e outras marcas semelhantes por todas as vilas e aldeias, as mercearias tradicionais desapareceram. Ir ao supermercado, onde íamos antigamente uma vez por mês, de quinze em quinze dias, ou quanto muito uma vez por semana, tornou-se uma tarefa diária. Os supermercados vieram substituir as mercearias e as pessoas continuam com o mesmo hábito de ir ali ao lado, num instantinho, comprar seja o que for. Falta azeite, vão ao Inter, falta arroz, vão ao Inter, está na hora de sair a fornada de pão (que chega a ser anunciada nos telemóveis, via SMS ), lá vão ao Inter outra vez.
Nas vilas e aldeias de Portugal, pelo que vamos vendo em Mira, enquanto não for decretado o recolher obrigatório e a quarentena forçada de todos os que não têm empregos considerados essenciais vai-se continuar a viver como se nada se passasse.
O que se vai ouvindo é que o Governo apenas sugeriu que se ficasse em casa. Mas ficar em casa como, se tivermos de comprar alguma coisa? Assim pensa e questiona a maioria. A vantagem, verdade seja dita, é que porventura, devido ao hábito enraizado de irmos à “mercearia da esquina”, não vivemos a corrida desenfreada às prateleiras dos supermercados que há dias se vem assistindo nas grandes cidades.
Numa ida à Makro (supermercado grossista) em Lisboa, ainda antes de serem decretadas as medidas de isolamento pelo Governo, presenciámos, estupefactos, à loucura colectiva de milhares de pessoas a comprarem tudo o que podiam. Posteriormente, numa ida ao Continente de Oeiras, deparámos com o mesmo cenário. Registo que a zona dos vegetais ficou totalmente depenada. Também na Makro o panorama das carnes era como se vê na foto que ilustra este texto.
Felizmente aqui por casa sempre houve o hábito de termos as arcas congeladoras bem abastecidas e uma despensa recheada desde os tempos de infância. Mas nem isso nos faz perder o hábito de ir ao supermercado por tudo e por nada. É que temos o Intermarché a cem metros de casa e a minha mãe, sempre que pensa que falta alguma coisa, lá vem com a ideia de ir às compras. O que lhe vale é a neta que a vai demovendo de ir ao supermercado. É verdade, a Maria consegue muitas vezes fazer a avó mudar de ideias.
Tenho para mim que a solução passa mesmo por minimizar os contactos sociais e ficar em casa o máximo possível. Se se tiver que sair de casa e os locais estiverem pejados de pessoas, deve-se redobrar os cuidados. Ao fim ao cabo, é a nossa vida que pode estar em jogo.
Vamos ver como esta novela se desenrola nos próximos dias….
João Santos Gomes