Tomé: da dúvida à confiança

«Não sejas incrédulo, mas fiel!»

Cristo ressuscitou, instaurando a nova aliança e a vinda do reino anunciado. Continuou a aparecer, a manifestar-Se com o Seu corpo ressuscitado. As primeiras aparições tiveram lugar, com efeito, em Jerusalém, logo a seguir ao “shabat” (sábado santo judaico). Primeiro, apareceu às santas mulheres e depois aos apóstolos e outros discípulos (Mateus 28,9-10; Lucas 24,13-53; João 20,11-29). Depois apareceu na Galileia, onde Jesus pregou. Aqui os destinatários foram os Onze Apóstolos, que regressaram ao Norte de Israel depois da Páscoa. Depois, voltou à “glória do Pai”. Consumava-se assim o período após a Ressurreição, a qual se reveste, desta forma, de um valor decisivo para a compreensão da personagem histórica de Jesus e da sua dimensão salvífica enquanto Cristo, além de ser importante para a compreensão do cristão em si mesmo. «Se Cristo não ressuscitou, a vossa fé é vã, estais ainda em pecado…», já dizia São Paulo (I Cor 15,17-19). Mas nem todos os que Lhe eram próximos acreditaram ou tiveram fé pascal na Ressurreição…

 

O Apóstolo São Tomé

São Tomé, ou Tomás, foi um dos doze apóstolos de Jesus. Era judeu. O seu nome consta nas listas dos quatro evangelistas. Deriva do Hebraico “ta’am”, que significa “junto”, ou “gémeo”. De facto, o Evangelho chama-o várias vezes com o sobrenome de “Dídimo” (cf. Jo 11, 16; 20, 24; 21, 2), que em Grego significa precisamente “gémeo”. Assume destaque entre os apóstolos, nos Evangelhos, principalmente com João. A primeira referência aparece sob a forma de uma exortação de Tomé aos outros apóstolos, quando Jesus, regressando da Judeia, precisamente onde os rabinos o quiseram apedrejar, decidiu ir a Betânia para ressuscitar Lázaro, aproximando-se assim perigosamente de Jerusalém (cf. Mc 10, 32). Naquela ocasião Tomé, perante as hesitações e receios dos companheiros, exortou aos seus condiscípulos: «Vamos nós também, para morrermos com Ele» (Jo 11, 16). Esta sua determinação em seguir o Mestre é exemplar e revela a disponibilidade total em aderir a Jesus, até identificando o próprio destino com o d’Ele e o querer partilhar com Ele a prova suprema da morte. Não fora afinal São Paulo que escrevera, quando tranquilizava os cristãos de Corinto: «Estais no nosso coração para a vida e para a morte» (2 Cor 7, 3). No acto de Tomé, temos o exemplo da relação entre os cristãos e Jesus: morrer juntos, viver juntos, estar no Seu coração como Ele está no nosso.

Uma segunda intervenção de Tomé surge depois na Última Ceia. Jesus, antevendo a sua partida iminente, anuncia que vai preparar um lugar para os discípulos para que também eles estejam onde Ele estiver: «E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho» (Jo 14, 4). Tomé intervém então e diz: «Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho?» (Jo 14, 5). Tomé demonstra aqui uma compreensão falha, mas que dá a Jesus o ensejo de pronunciar, em resposta, a célebre definição: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai a não ser por mim» (Jo 14, 6). Tomé foi o primeiro a receber esta revelação, mas a mesma é para todos e para sempre.

 

A célebre “dúvida”

Tomé tinha um temperamento audacioso e determinado, cheio de generosidade, tendo percorrido as etapas da fé até professar que Jesus era realmente Deus e Senhor. Esta profissão cumpre-se no episódio da “dúvida”, a célebre cena de Tomé incrédulo, que teve lugar oito dias depois da Páscoa, a seguir ao “shabat”. Estavam os discípulos fechados, com medo das autoridades judaicas e suas represálias depois da Paixão do Mestre. Só Tomé não estava ali. Apareceu-lhes assim Jesus, que os saudou na paz e os enviou, conforme Pai O enviara. Um mandamento de missão com a graça do Espírito Santo que pacificou os discípulos e lhes aumentou o fervor apostólico. «Vimos o Senhor», contaram depois a Tomé. Que respondeu: «Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito» (Jo 20, 25).

Oito dias depois Jesus reaparece no meio dos seus discípulos, e desta vez Tomé está presente. «A paz esteja convosco!», abençoa Jesus, novamente, interpelando de seguida Tomé: «Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel [crê]!» (Jo 20, 27). Tomé assim fez e reagiu então com a mais maravilhosa profissão de fé de todo o Novo Testamento: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).

Este acto de fé e de amor de Tomé a Jesus inspirou São Gregório Magno a proclamar: «Mais nos serviu para a nossa fé a incredulidade de Tomé do que a fé dos discípulos fiéis». Santo Agostinho comentou também que Tomé «(…) via e tocava o homem, mas confessava a sua fé em Deus, que não via nem tocava. Mas o que via e tocava levava-o a crer naquilo de que até àquele momento tinha duvidado». Por isso Jesus concluiu o episódio da dúvida de Tomé de forma magnânima: «Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!». A fé é pois aqui «(…) a garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem» (Heb 11, 1). «Merece muito mais quem crê sem ver do que quem crê porque vê», recordaria mais tarde São Tomás de Aquino, que como São Paulo recordava todos os antigos Patriarcas bíblicos, que acreditaram em Deus sem ver o cumprimento das suas promessas.

 

A importância de Tomé

O apóstolo foi ainda testemunha do Ressuscitado uma outra vez, a seguir a uma pesca milagrosa no Lago de Tiberíades (Jo 21, 2). Citado a seguir a São Pedro, podemos já aferir a importância do o apóstolo da dúvida no seio das primeiras comunidades cristãs. Com efeito, em seu nome foram escritos depois os Atos e o Evangelho de Tomé, ambos apócrifos mas contudo importantes para o estudo das origens cristãs. Por fim, recordamos que segundo uma antiga tradição, Tomé evangelizou primeiro a Síria e a Pérsia (assim refere já Orígenes, citado por Eusébio de Cesareia), rumando depois até à Índia ocidental (ver Atos de Tomé 1-2 e 17ss.), de onde enfim alcançou também a Índia meridional. Ou seja, da dúvida à confiança, daí à missão e ao caminho para Cristo, como no seu incitamento de Betânia: eis Tomé, humano, intemporal, ilustrativo e firme. Tomé é pois importante para nós porque nos conforta nas nossas inseguranças, além de nos demonstrar que qualquer dúvida pode levar a um êxito radioso para lá de qualquer incerteza.

Dúvidas para quê? E veja-se, já agora, como a arte plasmou a dúvida de Tomé. Bastaria recordar o genial Caravaggio (1603)…

Vítor Teixeira 

Universidade Católica Portuguesa

 

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