TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – Ano B – 3 de Março

TERCEIRO DOMINGO DA QUARESMA – Ano B – 3 de Março

Jesus limpa o Templo, não para alcançar o vazio, mas a plenitude

Na última década, a autora japonesa Marie Kondo apresentou a muitas pessoas a arte de “organizar”. A ideia básica é não permitir que o nosso espaço limitado seja engolido por coisas desnecessárias e nunca utilizadas, das quais nos devemos livrar. Os objectos necessários e úteis, que nos dão energia positiva, esses devem ser mantidos em ordem e arrumados. A questão não é simplesmente “deitar fora” coisas e viver com menos, mas descobrir a relação que mantemos com as coisas que possuímos e sermos capazes de fazer escolhas sobre a forma como as usamos: por exemplo, podemos optar por partilhá-las com os necessitados. Enquanto organizamos os espaços, devemos estabelecer as condições adequadas para enfrentar a confusão dos nossos corações e obter energia (e coragem!) para lidar com ela.

A organização não envolve apenas objectos, mas também relacionamentos. Isto não significa isolarmo-nos das pessoas negativas (o que seria impossível), bem como não realizarmos qualquer tipo de caridade. Significa, ao invés, estar cientes da carga emocional que as pessoas colocam sobre nós e decidir fazer algo a respeito. Pode significar fortalecer os limites dentro de um determinado relacionamento, mas também perdoar alguém ou encerrar totalmente as conexões que temos com aqueles que não estão mais nas nossas vidas.

Também os nossos pensamentos precisam ser organizados… O “lugar” mais difícil de organizar é o interior da nossa cabeça. Somos tão constantemente bombardeados por informações e estímulos, que os nossos cérebros estão sempre à beira da sobrecarga.

No Evangelho deste Terceiro Domingo da Quaresma (Jo., 2, 13-25), Jesus “desorganiza” o templo do que não é essencial: «[Jesus] encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas, e cambistas assentados a negociar; tendo feito um chicote de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, espalhou pelo chão o dinheiro dos cambistas e virou as mesas; e disse aos que vendiam as pombas: “Tirai essas coisas daqui; não façais da casa de meu Pai, casa de comércio”» (Jo., 2, 16). Todo o aparato, originalmente montado com boas intenções (para obedecer às leis rituais), acabou por se tornar uma distração que impedia as pessoas de vivenciarem o que o templo significava: a presença amorosa de Deus entre o Seu povo e a Sua aliança com ele. A Aliança foi inscrita nas duas tábuas de pedra dos Dez Mandamentos dados a Moisés, que foram originalmente mantidas dentro da Arca do Santo dos Santos, o verdadeiro núcleo do templo. Os aspectos externos, materiais e superficiais da sua religiosidade acabaram por distorcer o que deveria ter sido um relacionamento amoroso íntimo e transformador das suas vidas com Deus, que fez a Aliança.

Durante a Quaresma somos convidados a viver de forma mais simples e a organizar o nosso estilo de vida opulento com o intuito de mostrarmos mais solidariedade para com aqueles que sofrem. Mas “organizar”, por si só, não é suficiente. Pense nisto: após o nascimento do seu terceiro filho, a atitude rigorosa de Kondo em relação à arrumação da sua casa acabou por se tornar mais relaxada, e assim abriu-se espaço para as necessidades “desarrumadas” dos seus filhos. Num programa de televisão, Kondo comentou: «Até agora, eu era uma dona de casa ‘profissional’. Por isso, fazia o meu melhor para que a casa se mantivesse arrumada. Agora percebo que o importante é aproveitar o tempo com meus filhos em casa». O que faz uma boa casa não é apenas a arrumação, mas o relacionamento amoroso daqueles que vivem nela.

O mesmo poderia ser dito sobre a purificação do templo. O propósito de Jesus não era esvaziar o templo. Um templo vazio, embora arrumado, é inútil e não tem coração. Jesus purificou o templo para enchê-lo com a Sua presença amorosa, misericordiosa e plena de compaixão. Ele tornou-se o coração do templo, o ponto de união de Deus com o Seu povo. O sacrifício na cruz, acto único e eterno, o qual relembramos em cada Eucaristia, foi concebido para ser a única oferta que iria trazer a salvação e uma nova vida à nossa humanidade caída.

Tenho para mim que a questão não está em “organizar” a nossa fé, no sentido de nos livrarmos desta ou daquela tradição, ritual ou devoção. Como seres humanos, todos precisamos de alguns actos externos para expressar a nossa fé. A questão é permitir que Jesus e o seu Evangelho sejam o coração pulsante da nossa relação com Deus, e depois deixar que esta relação se torne o núcleo radioso da nossa família, do nosso trabalho e dos nossos compromissos sociais, mesmo em tempos difíceis. Como observou o Papa Francisco, ao falar de Santa Teresinha do Menino Jesus, «no meio do sofrimento dos seus últimos dias, Teresa pôde dizer: ‘Conto apenas com o amor’. No final, só o amor conta [“C’est la Confiance” nº 45]». Este é o coração do templo – somente um coração organizado e limpo pode afirmá-lo mesmo diante da morte.

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *