TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (172)

TEOLOGIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ (172)

Por que a liberdade precisa da Lei?

Fazer escolhas implica ter conhecimento das opções colocadas à nossa disposição.

Quando uma pessoa vai a um restaurante, primeiro lê o cardápio para ver o prato que irá escolher, ou pergunta ao empregado de mesa o que tem para servir.

Quando uma pessoa se encontra num lugar estranho, em primeiro lugar deve consultar um guia, ver a sinalização, e até perguntar a um polícia, a fim de não se perder e assim chegar ao destino.

A vida moral requer um ponto de referência objectivo. Esse ponto de referência é dominado LEI.

Francis Fernández, na obra “Conversas com Deus” (volume 4), escreve nestes termos (tradução livre): “De forma alguma [um viajante] considera que a sua liberdade está a ser restringida, nem pensa ser uma humilhação depender de mapas, sinais ou guias, para chegar aonde quer chegar. Quando se sente inseguro, ou começa a sentir-se perdido, os sinais que encontra são para ele um momento de segurança e alívio.

De facto, muito frequentemente, confiámos mais em mapas e sinais do que no nosso sentido, do qual temos muita experiência de por vezes nos enganar.

Quando seguimos as placas de sinalização, não temos a sensação de nos serem impostas; ao invés, acolhemo-las como uma grande ajuda, como uma nova informação que imediatamente passamos a ter como nossa”.

O Catecismo da Igreja Católica refere no ponto 1951: “A lei é uma regra de procedimento emanada da autoridade competente em ordem ao bem comum. A lei moral pressupõe a ordem racional estabelecida entre as criaturas, para seu bem e em vista do seu fim, pelo poder, sabedoria e bondade do Criador”.

Encontramos, pois, três elementos nesta definição:

1– É uma regra de conduta que pressupõe a ordenação do rácio. A lei não é irracional; não é algo dado por puro capricho. A lei procede da razão (não do desejo ou de pura arbitrariedade) e é dirigida à razão e ao intelecto do Homem.

São Tomas explica: “A lei é uma regra de medição dos actos, pelos quais o homem é induzido a agir ou é impedido de agir. Porque ‘lex’ (lei) deriva de ‘ligare’ (ligar), porque obriga a agir. Como a regra e a medida dos actos humanos é a razão, esta é o primeiro princípio dos actos humanos” (Suma Teológica).

2– É decretada pela autoridade competente. Não é qualquer pessoa ou entidade que pode elaborar uma lei. A autoridade, encarregada de salvaguardar e promover o bem comum, deve promulgar e confirmar as normas gerais que regem determinado Estado e seus cidadãos.

3– Promulga o bem comum. Isto é, as leis que a autoridade promulga devem ter em mente assegurar o bem comum. Observe-se que o termo “bem comum” não se refere apenas à soma de todos os bens materiais. De facto, o maior bem comum do homem e do universo é o próprio Deus.

A lei constitui uma ordem de serviço, que emana da razão e anuncia a verdade. Desta forma, “alimenta” a liberdade do Homem para que ele possa fazer escolhas inteligentes. A lei dá factos sobre a vida e não regras para recompensas e punições arbitrárias. Tal como os sinais de trânsito não nascem de um capricho, mas da necessidade de indicar a verdade sobre quais os caminhos a tomar para se chegar a determinado destino.

Em “Reflexões sobre os Salmos”, C. S. Lewis escreve (tradução livre): “Um pensador moderno diria que a Lei é uma ordem, mas chamar a uma qualquer ordem de ‘verdadeira’ não faz sentido. ‘A porta está fechada’ pode ser um facto verdadeiro ou falso, mas ordenar apenas para que se feche a porta – ‘Feche a porta!’ – nem sempre pode constituir uma solução válida. Acho que todos vemos muito bem o que os salmistas querem dizer. Na Lei podemos encontrar as direcções ‘reais’ ou ‘correctas’, sendo estáveis e bem fundamentadas. A Lei responde à pergunta: ‘Como pode um jovem manter o seu caminho puro?’ (Salmo 119:9). ‘É como uma lâmpada, um guia’ (Salmo 119:105).

Peguemos nesta frase: ‘É como uma lâmpada, um guia’ (Salmo 119:105). Há muitas direcções diferentes para a vida, como mostram as culturas pagãs ao nosso redor. Quando os poetas classificam de ‘verdadeiras’ as instruções ou decisões de Yahweh, estão a expressar a certeza de que estas – e não outras – são as verdadeiras e inatacáveis; as que se baseiam na própria natureza das coisas e na própria natureza de Deus”.

C. S. Lewis acrescenta: “Havia no Século XVIII terríveis teólogos que sustentavam que ‘Deus não ordenou certas coisas porque estão certas, mas algumas coisas estão certas porque Deus assim o ordenou’.

Para clarificar este pensamento, até houve quem dissesse que Deus disse para O amarmos, assim como uns aos outros. Se, por acaso, tivesse dito para o odiarmos, assim como uns aos outros, o ódio seria hoje o correcto.

Aparentemente, foi um mero acaso assim ter Deus decidido. Esta visão, claro, faz de Deus um mero tirano arbitrário”.

Não admira, portanto, que o Papa João Paulo II tenha intitulado a Carta Encíclica sobre a doutrina moral da Igreja de “Veritatis Splendor” (“O Esplendor da Verdade”).

Pe. José Mario Mandía

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *