O que a Fé e a Razão têm a ver uma com a outra?
«A fé e a razão [raciocínio] são como duas asas com as quais o espírito humano se eleva em contemplação da verdade; e Deus colocou no coração humano o desejo de conhecer a verdade – numa palavra, conhecer-se a si próprio – para que, ao conhecer e amar a Deus, os homens e as mulheres também possam alcançar a plenitude da verdade sobre eles próprios» (Êxodo., 33:18; Salmos., 27:8-9 e 63:2-3; João., 14:8; 1 João., 3:2) (Fides et Ratio 1 – Fé e Razão 1). São João Paulo II começa assim a sua décima terceira carta encíclica (publicou catorze ao longo do seu pontificado).
Na série anterior, vimos que normalmente usamos três formas para a aquisição de conhecimentos: os nossos sentidos, o nosso raciocínio (intelecto) e a fé (ver FILOSOFIA, UMA DENTADA DE CADA VEZ, nº 3). Estas são as três maneiras de se chegar aos factos, são três formas de alcançar a verdade.
Muitas pessoas pensam que o raciocínio e a fé estão em oposição uma da outra. Mas já vimos que não é assim. Na verdade, o raciocínio necessita da fé humana para funcionar. G.K. Chesterton observou: “A razão é em si uma questão de fé. É um acto de fé afirmar que os nossos pensamentos têm qualquer tipo de relacionamento com a realidade” (G.K. Chesterton, Orthodoxy – Ortodoxia).
Mesmo o conhecimento científico está baseado na fé humana. Há muitas verdades científicas que aceitamos, não porque as observámos pessoalmente, porque as descobrimos devido ao nosso raciocínio ou por qualquer outra razão. Na realidade, muito do nosso conhecimento científico está baseado na fé humana dos cientistas: desde a existência de partículas subatómicas aos Buracos Negros (os universalmente designados Black Holes).
A RAZÃO PRECISA DA FÉ
Na série anterior esforçámo-nos por usar a razão, com o intuito de explorarmos os muitos “ses” da vida. No entanto, chegámos a um ponto em que a razão não é suficiente.
O uso da razão ajuda-nos a descobrir um pintor que criou um quadro, mas mais nada nos diz sobre o pintor em si… a menos que alguém conheça o pintor ou o pintor se apresente a ele próprio.
Este exemplo é uma analogia sobre a relação entre a razão e a fé. A razão pode-nos levar à Primeira Causa, mas é preciso mais do que a razão para conhecermos mais sobre Ele (Deus). Precisamos d’Ele, ou de um seu representante, para falar connosco. E aqui entra a fé. «De muitas e variadas maneiras Deus falou do antigo aos nossos pais, mas nestes últimos tempos falou por um Filho» (Hebreus 1:1).
A FÉ PRECISA DA RAZÃO
Deus disse-nos que fomos feitos à Sua imagem e semelhança. Essa imagem é vista (encontrada) na nossa alma espiritual, a qual tem o poder de conhecer e decidir. Deus fez-nos seres capazes de entender (compreender). Fala-nos sobre Ele próprio, mas deseja que usemos o intelecto para compreender e explorar. Jesus disse aos Apóstolos: «Oiçam e compreendam» (Mateus 15:10).
A Teologia é o esforço para se entender o que foi dito (ouvido). Santo Agostinho (354-430) e Santo Anselmo de Canterbury (1033-1109) descrevem a Teologia como “fides quaerens intellectum” – “A fé à procura da compreensão”.
Se um homem realmente aspira a conhecer a verdade, necessita de usar tanto a razão como a fé. “A história do pensamento religioso mostra-nos que existem duas posições que levam ao absurdo. São a fé sem razão e a razão sem fé” (Pe. Anthony Alexander, College Apologetics – Apologética Universitária, pág. 3). A fé sem razão acaba em empirismo, voluntarismo ou sentimentalismo. Todas as três são irracionais; todas não inadequadas aos seres humanos. A razão sem fé não pode responder adequadamente às nossas perguntas, não nos pode ajudar (como vimos acima); “não podemos chegar à plenitude da verdade sobre nós próprios”.
A jornada da Teologia é a continuação e a realização (conclusão) da nossa viagem pela Filosofia. Não devemos deixar a razão para trás. Antes devemos conservar tanto a razão como a fé como companheiros de viagem.
Pe. José Mario Mandía