Tal como tenho dito, em Portugal não há semana que passe que não se assista a mais um escândalo. Neste novo caso, foi uma verdadeira “bomba”!
José Sócrates, ex-Primeiro-Ministro, e mais três indivíduos das suas relações, foi detido por suspeita em actos de fraude fiscal agravada, branqueamento de capitais e corrupção.
Num verdadeiro espectáculo mediático, envolvendo as cadeias de televisão, jornais e rádios que, desde a última sexta-feira acompanharam a detenção de Sócrates para averiguações, até à passada segunda-feira à noite, o País esteve suspenso e ao sabor de todo o tipo de conjecturas e teorias sobre esta detenção e a forma da sua aplicação, terminando com a decisão do juiz em manter três dos detidos, entre eles José Sócrates, em prisão preventiva.
Na melhor das hipóteses, se o recurso interposto pelo advogado de Sócrates resultar, ele irá ficar pelo menos três meses em prisão preventiva. Se não resultar, ficará sob coacção até ao julgamento, que poderá acontecer daqui a três anos. E tudo isto antes de ser provada ou não a acusação e a respectiva condenação.
Amado e odiado por muitos, nunca um dirigente nacional, durante o seu mandato, foi sujeito a tantas acusações e insinuações, deixando os portugueses na dúvida se os factos que lhe imputavam correspondiam a verdadeiras ilegalidades cometidas ou se se tratava de calúnias por parte dos seus adversários políticos.
Agora, num momento particularmente grave da vida social portuguesa, em que se instalou uma enorme desconfiança em relação à sua comunidade política, seja por promessas não cumpridas; políticas económicas gravosas para a população; incompetência dos seus dirigentes; mordomias e rendimentos usufruídos pelos políticos; relações estreitas entre os políticos e os poderes económicos e financeiros; fracasso de algumas das suas instituições e corrupção de alguns dos seus dirigentes nacionais, os portugueses acolhem esta “vaga justiceira” como a redenção da justiça portuguesa, tantas acusada de ser lenta, discriminatória e muitas vezes inconclusiva.
Neste caso, onde se misturam sentimentos de vária natureza, não só pelo arguido em causa e pelo seu passado político, como pelo excepcional e aparatoso processo jurídico que levou à sua detenção no aeroporto de Lisboa, após se conhecerem os habituais “segredos de justiça” e a aplicação da medida de coacção mais gravosa, culpado ou não, o julgamento público está feito. Não há presunção de inocência, Sócrates está condenado!
Se bem que não se compreendam algumas das actuações do Ministério Público neste caso, cujas investigações já duram há um ano – a justiça não está isenta de críticas, tal como o poder legislativo e executivo do nosso sistema político, – e não se conheçam os fundamentos da decisão, tal circunstância não poderá colocar em causa a justeza da sua atitude. Queremos acreditar que a dureza da medida, agora aplicada pelo juiz de instrução, e o processo que conduziu à sua detenção, são indiciadores de motivos suficientemente graves, que justificam levar José Sócrates à sua encarceração, por eventual perturbação do inquérito.
E é bom que o seja, porque nos interrogamos porque é que, no caso recente de Ricardo Salgado do BES, o MP o contactou antecipadamente, dizendo-lhe que teria de ir a tribunal prestar declarações, acabando por sair com uma caução de três milhões de euros. E, no actual caso de José Sócrates, terem ido à manga do avião para o prender, após o seu regresso a Portugal, quando era evidente que ele já saberia o que lhe iria acontecer, após a detenção dos seus outros três amigos, é no mínimo estranho.
Ou a justiça sabe bem o que está a fazer ou está a procurar ser o actor principal do nosso sistema. Em caso de dúvida, é bom afirmar que queremos uma “limpeza” na corrupção que tem alastrado no País e que tem afectado uma parte substancial dos nossos políticos, mas não queremos instaurar qualquer espécie de “justicialismo”.
Para gáudio da sua concorrência partidária, parece evidente que a prisão de um ex-dirigente do Partido Socialista, que foi chefe do Governo durante seis anos, irá causar algum desgaste neste partido e nos esforços da sua recente direcção em conseguir animar as suas hostes e simpatizantes, tão necessários para o confronto eleitoral que se aproxima.
Mas que nenhum político, seja de que partido for, se iluda. Com a indiferença e animosidade com que a população portuguesa trata os seus poderes legislativo e executivo, se a justiça falhar neste processo o nosso regime democrático, tal como está concebido, vai na direcção de um cano pestilento e sem retrocesso, onde todos ficarão atolados.
Luis Barreira