Amor Divino!
Amar significa desejar o bem ao outro, fazer o bem ao outro: ser bom. É “a bondade a entregar-se: é compartilhar com os outros; entregar-se aos outros e fazê-los felizes” (Edith Stein). O amor é o maior valor e virtude humana e cristã: amor como “philia”, ou amizade (amor afectivo), e como ágape, ou amor incondicional, pura generosidade (amor benevolente), que inclui o amor aos inimigos (Lc., 6,27- 38) e, principalmente, o amor aos pobres e necessitados (Mt., 25, 31-46). Na tradição cristã, o amor como caridade – o amor de Deus em nós – é considerado “a forma” de todas as virtudes, aquela que dá vida a todas as outras virtudes. De facto, a vida é amor, e viver é amar.
Deus é amor. Deus Uno e Trino é o amor divino (1 Jo., 4: 8,16). O nosso amor de Deus por meio de Jesus no Espírito é amor divino; é a partilha no amor de Deus. Deus é amor e por amor nos criou, e por amor se fez homem em Seu Filho, a Segunda pessoa Divina, Jesus Cristo, que morreu por nós por amor, por amor incondicional (Jo., 15,13).
Para São Tomé, a caridade de Deus é a amizade de Deus connosco, e a caridade de Cristo é também melhor expressa pela sua amizade com a Humanidade: com o derramamento do seu sangue, Jesus recuperou a graça divina e o amor por nós.
O que é amor divino? Numa conferência iluminadora, São Tomás de Aquino explica de forma breve e clara a natureza e as características da Lei Divina (“A lei do amor divino é o padrão para todas as acções humanas”). Pela mão do Doutor Angélico, meditamos neste maravilhoso amor divino, uma lei que é “conhecida por todos e ninguém pode recorrer à ignorância para se desculpar”.
A Lei Divina deve ser o padrão de todas as acções humanas. Portanto, uma acção humana é boa se está em conformidade com a lei da caridade; se não, é uma acção maligna. A lei do amor divino é a lei mais essencial da vida. Ela atinge quatro coisas maravilhosas na pessoa que possui amor.
A lei do amor divino é “a causa da vida espiritual pessoal”, isto é, de uma vida graciosa conduzida pelo Espírito que nos torna filhos de Deus, irmãos e irmãs uns dos outros e participantes da divindade da Santíssima Trindade. “Através da caridade, Deus vive nela [a alma]”. A graça e o amor tornam-nos participantes da natureza divina de Deus (2 Pe., 1,4).
O amor divino “conduz à observância dos mandamentos divinos”: Se Me tendes amor, cumprireis os meus mandamentos (Jo., 14, 15), os Dez Mandamentos: ou um mandamento – o primeiro – e nove consequências. A caridade é o mandamento. Nunca esqueçamos que Jesus uniu inextricavelmente o mandamento do amor a Deus com o mandamento do amor ao próximo, a ponto de ambos formarem um só mandamento (Mc., 12, 29-31).
A caridade “fornece protecção contra a adversidade”. Com amor na alma, a adversidade não prejudica, mas é útil para quem tem caridade: “A desgraça e as dificuldades parecem agradáveis ao amante e a nossa própria experiência comprova isso”. Permita-me acrescentar que para os santos, quando a cruz vem, é o Senhor que vem e as feridas que doem são “doces chagas”. A caridade, por fim, leva à felicidade, uma vez que a bem-aventurança eterna é prometida somente a quem tem caridade. Sem caridade, “todas as outras coisas são insuficientes”. Diz Santa Catarina: só a caridade nos abre a porta do céu, e só a caridade nos acompanha no céu.
A caridade alcança quatro coisas, diz São Tomás: Efectua (1) a remissão dos pecados; “a ofensa é perdoada ao ofensor por causa do amor”. Não necessita de penitência então? “Deve ser entendido que ninguém ama verdadeiramente quando não está verdadeiramente arrependido”. A caridade (2) ilumina o coração: onde há caridade está o Espírito Santo. A caridade (3) produz alegria perfeita na pessoa, e do mesmo modo a caridade (4) “produz perfeita paz e dá à pessoa uma grande dignidade”: ela transforma “o escravo numa pessoa livre e amiga”. Por isso, o dom da caridade “supera em muito todos os outros dons: quando possuímos caridade, também necessariamente possuímos o Espírito Santo”.
A caridade dá sentido à vida. É a virtude que é mãe, rainha e forma de todas as virtudes, cujos actos só são bons (na perspectiva do Reino do Céu) se permeados, ou vivificados pela caridade.
Na vida, o amor é o que mais importa. São Bernardo refere: “A medida do amor julga a grandeza que cada alma tem, de modo que, por exemplo, quem tem muito amor é grande, e quem tem pouco amor é pequeno, enquanto aquele que não tem nenhum amor, nada é”. São Paulo afirma: “Se eu não tiver amor, nada sou”. No seu maravilhoso “Diálogo”, Deus diz a Santa Catarina: “A alma não pode viver sem amor. Ela tende sempre a amar alguma coisa, porque é feita de amor, porque Eu a criei por amor”. Por vezes, o amor de Deus nos nossos corações é colocado de lado e surge a conquista pelo amor-próprio, ao qual todos estamos inclinados e que é a causa de todos os males.
Santo Agostinho afirmou: “Ame e faça o que quiser” – “Ama et fac quod vis”: com verdadeiro amor nos nossos corações, amamos tudo o que é bom: oração, justiça, veracidade, liberdade, compaixão e humildade. Somente o amor divino conduz à verdadeira liberdade. Com efeito, “o amor é o único remédio que cura as rugas da alma” (Teresa de Ávila).
O objecto primário da virtude teologal da caridade é Deus. O objecto secundário, o amor ao próximo – não separado do primário – em nós mesmos, e a todos os outros seres humanos – os necessitados em particular –, é criação de Deus (1 Jo., 13,34; 1 Cor 13,1). Portanto, a caridade caracteriza um verdadeiro cristão: “Vocês são cristãos e esse próprio nome significa que vocês acreditam na caridade. Vocês devem imitar a caridade e o amor de Cristo” (Astério de Amaseia).
Pe. Fausto Gomez, OP