Do sofá às sapatilhas
Sofá e sapatilhas são duas palavras que começam pela mesma letra, mas que têm conceitos totalmente diferentes. Sofá tem apenas duas sílabas, é mais fácil de pronunciar e convida ao descanso, ao lazer, ao não te rales… Sapatilha tem quatro sílabas e apela para o caminho, para a desinstalação, para a saída…
O Papa Francisco desde o início do seu pontificado tem dito repetidamente que quer uma Igreja “em saída”, desinstalada, atenta às periferias… Não há muito, ele convidou os cristãos, e em particular os jovens, a trocar o sofá pelas sapatilhas, a não ficar comodamente sentados em frente ao écran, mesmo que seja em diálogo com um mundo virtual, mas a calçar as sapatilhas para entrar no mundo real.
Se há santo que tenha trocado o sofá pelas sapatilhas, esse foi São João de Brito, o grande missionário português. Filho de um casal de nobre linhagem, nasceu em Lisboa no dia 1 de Março de 1647. Ainda não contava dois anos, quando o seu pai foi nomeado, por D. João IV, governador do Rio de Janeiro, deixando a educação e o cuidado dos filhos à mãe, D. Brites de Almeida. Aos nove anos entrou na corte como pagem de companhia do Infante D. Pedro. De saúde débil, aos onze anos, foi atingido por grave doença. A mãe prometeu a São Francisco Xavier que se o filho se curasse, o vestiria um ano com a roupeta da Companhia de Jesus. A cura deu-se e o pagem andou um ano inteiro com a sotaina da Companhia de Jesus, o que lhe valeu, entre os colegas, o epíteto de “apostolozinho”.
Sentindo-se chamado à vida missionária através do cumprimento desta promessa (ele mesmo dirá à mãe “Xavier chama-me”), não obstante, as diligências que a mãe moveu junto do Rei, do padre Geral da Companhia de Jesus e do Núncio Apostólico para impedir a sua partida, ele largou de Lisboa, no dia 25 de Março de 1673, chegando à Índia seis meses depois.
Foi-lhe destinada a Missão do Maduré, onde, vestindo o traje dos penitentes para poder chegar ao contacto com o maior número possível de pessoas, exerceu o seu apostolado com enorme dedicação e frutos.
Chamado ao norte de Maravá, ao passar pela região de Mangalão, sofreu o primeiro martírio de que foi providencialmente libertado. Regressando à Costa da Pescaria, o Provincial ordenou-lhe que viesse a Portugal e a Roma, para dar conta ao padre Geral da Companhia da situação em que viviam os missionários na Índia.
Em Portugal, foi recebido com grandes mostras de carinho e admiração, visitando o Rei, os Colégios da Companhia e muitas comunidades cristãs.
Não obstante a cilada que lhe armaram para o reter em Lisboa, embarcou para a Índia porque ele dizia que queria mais aos matos do Maduré que os paços do Rei de Portugal.
Da prisão de Urgur, com o martírio no horizonte, ele escrevia ao padre Francisco Lainez afirmando: “Quando a culpa é virtude, o padecer é glória”. E essa glória coroou toda uma vida de entrega aos outros, quando a 4 de Fevereiro de 1693, o algoz lhe decepou a cabeça.
UM GRANDE MODELO
Canonizado em 22 de Julho de 1947, a vida de São João de Brito é um constante convite, sobretudo aos jovens, para trocar o sofá e as pantufas pelas sapatilhas. Disse-o Pio XII, num discurso aos peregrinos portugueses no dia seguinte à canonização: «Olhai para o jovem missionário, para o heroísmo da sua acção esplêndida, acção destemida, acção fecunda. Seria necessário não ter ideal algum no coração para não sentir o entusiasmo que suscita a narração da sua vida tão ardente, para não experimentar, com um sentimento de santa inveja, o desejo de participar em tão árduas canseiras evangélicas e de alcançar os seus merecimentos na medida das próprias forças».
E São João Paulo II, na visita pastoral que fez a Portugal, em 1982, disse no parque Eduardo VII: «Como não lembrar, entre outros, aqui em Lisboa, o exemplo de São João de Brito, jovem lisboeta, que deixando a vida fácil da corte, partiu para a Índia, a anunciar o evangelho da salvação aos mais pobres e desprotegidos, identificando-se com eles e selando a sua fidelidade a Cristo e aos irmãos com o testemunho do martírio!».
Jovens abri os olhos e vede “a seara”, à espera dos vossos braços para o trabalho! É preciso trocar a comodidade do sofá pela audácia das sapatilhas!
Pe. Januário dos Santos
In Boa Nova