Fé Mariana no coração dos Pirenéus
A nossa viagem por França não seria concluída, desta vez, sem fazermos um desvio para visitar Lourdes, um Santuário que estava na nossa “bucket list” fazia muito tempo. Como vínhamos com a tendência de visitar locais religiosos, seria esta a altura ideal para desfrutar deste famoso local de culto.
De Metz, onde também visitámos uma catedral, até Lourdes, nos Pirenéus Franceses, levámos mais de dois dias; foi uma viagem ao sabor de baixas velocidades, por estradas e ruas menos percorridas pelos turistas tradicionais. Campos – uma imensidão de campos – a serem trabalhados para a última sementeira antes da chegada das neves, e vilas pitorescas com pouco mais do que a sua rua principal, a lembrar algumas das aldeias do nosso Alentejo. Milho, muito milho, e vacas a perder de vista – tanto que a Maria não se cansava de dizer: «– Só vemos milho e vacas!». Enfim, paisagens bucólicas, a convidar a uma condução descontraída e sem pressas.
O nosso trajecto, para quem desejar realizar uma viagem descontraída por França, foi mais ou menos assim: De Metz a Lourdes são bem mais de oitocentos quilómetros; fizemo-los por estradas secundárias, na sua maioria. De Metz fomos direitos a Nancy, sempre a acompanhar o maravilhoso rio Moselle, com todas as suas ilhas e canais. Dali o destino seria Dijon, mas devido a estarmos tão entretidos com as paisagens acabámos por ir em direcção a Besançon, onde decidimos não parar, apesar do meu íntimo me dizer para o fazer. Fica para outra oportunidade. É que sem querer entrar em grandes detalhes, Besançon sempre foi um local que quis visitar. Rumámos então a Montluçon, e depois para Este, a Clermont-Ferrand. Aqui tivemos de tomar uma importante decisão: ir a Bordéus ou passar pelo Parque Natural Regional de Haut-Languedoc, trajecto que nos iria fazer atravessar a zona com as melhores paisagens de toda a França, na minha opinião! No entanto, como já conhecemos aquela área, optámos pela capital do vinho francês. Em Brive-la-Gaillarde, cansados de fazer médias acima dos oitenta quilómetros por hora, voltámos às estradas sinuosas, que sempre nos garantem vistas deslumbrantes. Foi assim que passámos pelo Parque Natural Regional de Causses du Quercy, com as suas vistas de rio e escarpas. Infelizmente não houve tempo para parar e visitar os castelos e as grutas. Se bem me lembro dos manuais de história francesa, são uma atracção por si só. Chegados a Montauban, embicámos para Auch e Pau. Antes de chegarmos a Pau, ainda fomos a Tarbes que fica a poucos quilómetros do nosso destino final: Lourdes.
Localizado em plenos Pirenéus, o Santuário de Nossa Senhora de Lourdes estava praticamente vazio, se pensarmos que ali acorrem todos os anos cerca de cinco milhões de fiéis, idos dos quatro cantos do mundo.
O facto de estarmos a passar por uma pandemia que afecta gravemente a liberdade de viajar, faz com que actualmente estes locais estejam muito vazios e que toda a economia que gira à sua volta esteja a sofrer grandemente. Em redor do Santuário de Lourdes há hoje centenas de negócios, desde a restauração ao alojamento, passando pelas lojas de lembranças, encerrados, tendo alguns fechado para sempre ou até que alguém tenha a coragem de lhes pegar novamente.
Claro está que para nós, portugueses, é inevitável comparar Lourdes com Fátima. A grande diferença de Lourdes em relação a Fátima é o facto de em Lourdes se realizar uma procissão todos os dias, mais precisamente a Procissão do Santíssimo Sacramento. Tem lugar ao final da tarde e começa no altar da Pradaria, sendo geralmente conduzida por um padre ou bispo que transporta o ostensório com a hóstia consagrada.
Até 1858 Lourdes não era mais do que uma pequena aldeia encalhada na montanha. Acontece que nesse ano, no dia 11 de Fevereiro, a jovem Bernardete Soubirous presenciou a primeira de dezoito visões que deram origem à devoção a Nossa Senhora de Lourdes e a Santa Bernardete. As visões aconteceram sempre no mesmo local, na gruta de Massabielle, que se encontra nas traseiras do Santuário. É, por assim dizer, o local de devoção de todos os que ali se deslocam.
Toda a vivência do que se passou em 1858 pode ser revivida e sentida, não só junto à referida gruta, bem como de todos os outros locais que fazem parte da memória das aparições. São vários os exemplos, como o Moinho de Boly, da família de Bernardete; a casa do pai da Santa, onde inclusivamente se pode ver a sua cama; ou o Le Cachot, local onde a família passou a viver depois de ter perdido o moinho. Este último é um local húmido, sem quaisquer condições de habitabilidade, o que fez agravar os problemas de saúde da menina. Daí que a família tenha decidido enviá-la para Bartrès, onde trabalhou como pastora para uma das suas antigas amas de leite, a Senhora Marie Lagues.
Após as aparições, Bernardete optou por entrar para uma casa de freiras, o Convento de Nevers. Foi só depois de ter ficado a saber deste episódio que me lembrei de termos passado perto de Nevers, a caminho de Clermont-Ferrand. Dado que não sabíamos da importância de Nevers na vida da Santa Bernardete, não desviámos da rota, pelo que vamos procurar fazê-lo também numa próxima oportunidade.
Bernardete Soubirous, canonizada pelo Papa Pio XI a 8 de Dezembro de 1933, faleceu nos claustros do Convento de Nevers a 16 de Abril de 1879.
Como já referimos, ao todo foram registadas dezoito aparições, entre 11 de Fevereiro e 16 de Julho de 1858, tratando-se de um testemunho da presença da Imaculada Conceição nesta parte de França. O local merece uma visita cuidada, até porque tem mais para oferecer do que apenas a parte religiosa. Há monumentos de cariz militar, castelos e palácios, tudo envolto por uma natureza deslumbrante, banhada pelo rio Gave, o que é motivo suficiente para uma estada bem mais prolongada do que as cinco horas que ali estivemos.
João Santos Gomes