Fátima, tal como a casa de Betânia
Todos os anos, no dia 29 de Julho, Marta, Maria e Lázaro, os três irmãos de Betânia, que surgem referidos nos Evangelhos, são celebrados juntos como Santos. Neste dia, em Fátima, serão acolhidos milhares de peregrinos. Como tantas vezes ao longo do ano, mas neste dia o destaque vai para os peregrinos da Jornada Mundial da Juventude 2023, que decorrerá em Portugal. A hospedagem dos irmãos de Betânia será vivida de forma especial neste acolhimento dos jovens peregrinos, numa preparação espiritual para a jornada de fé que culminará na visita do Papa Francisco. Portugal, no seu todo, será uma enorme casa de Betânia, para a Jornada, para o Papa e para todos que lá forem.
Testemunho evangélico dos três irmãos, que ofereceram ao Senhor Jesus a hospitalidade da sua casa, prestando-lhe uma atenção dedicada, e acreditando que Ele é a ressurreição e a vida, o Papa Francisco decidiu que no dia 29 de Julho fosse inscrito no calendário Romano Geral a memória dos Santos Marta, Maria e Lázaro.
Mas quem foram os irmãos de Betânia? De Lázaro sabemos apenas o que vem no Evangelho de João (11, 1-14; 12, 1-2). Lázaro morava em Betânia, uma localidade nos arredores de Jerusalém. Jesus terá ficado em sua casa pelo menos três vezes (Mt., 21, 17; Mc., 11, 1 e 11.12; Lc., 10, 38; Jo., 11, 1). Segundo o Evangelho de João (11, 41-44), Lázaro foi ressuscitado da morte por Jesus. A partir desta história, o seu nome é frequentemente associado a ressurreição.
Lázaro tinha duas irmãs, Marta e Maria, que com ele viveriam. Todos foram, portanto, hospedeiros do Senhor. Marta, nos Evangelhos (Lucas e João), aparece em apenas três episódios (Lc., 10, 38-42; Jo., 11, 1-44; Jo., 12, 1-11). Era uma mulher dinâmica, que acolheu desveladamente Jesus. Maria, por seu turno, também aparece apenas três vezes em cena, nos Evangelhos, (Lc., 10; Jo., 11; Mt., 26). Era uma mulher atenta e contemplativa, que deu maior atenção ao Senhor. Marta, na visita de Jesus à casa de Betânia, estava adoentada e não foi tão atenciosa, ao contrário de Maria. Além da visita, o momento em que as irmãs estiveram com Jesus terá sido na ressurreição do irmão do túmulo. Marta ofereceu-Lhe generosamente hospitalidade, Maria também e ouviu atentamente as Suas palavras, enquanto Lázaro saiu de imediato do sepulcro a mando d’Aquele que venceria a morte. Mas foi na casa de Betânia que Jesus experienciou o espírito de família e a amizade de Marta, de Maria e de Lázaro, o seu acolhimento e forma de receber.
Há, no entanto, uma dúvida em torno destes irmãos, nomeadamente em relação a Maria. No Evangelho de Lucas fica-se com a ideia de que terão vivido, pelo menos durante algum tempo, na Galileia (Norte de Israel). Lucas não menciona, porém, o nome da localidade. Pode ter sido em Magdala, o que fez com que alguns estudiosos tenham identificado Maria de Betânia com outra Maria de Magdala, ou Magdalena (Madalena). Por isso, a subsistência desta dúvida durante muito tempo – principalmente na Idade Média –, fez com que se inscrevesse apenas Marta no Calendário Romano, com a celebração a 29 de Julho, assim tendo sido até há algum tempo atrás. A solução viria a ser encontrada em estudos recentes, como atesta o actual Martirológio Romano, que também comemora no mesmo dia os irmãos de Marta, Maria e Lázaro. Além disso, em alguns Calendários particulares, os três irmãos foram e são celebrados conjuntamente no dia 29 Julho.
Lázaro e as suas duas irmãs eram de facto amigos fraternos de Jesus de Nazaré. A amizade entre Jesus e Lázaro é testemunhada pelas palavras com as quais Maria e Marta mandaram a avisar Jesus para visitar o irmão doente: “Senhor, aquele que amas está enfermo”. E ainda, depois, com a chegada de Jesus, aparentemente tarde demais para o salvar: “Senhor, se tivesses vindo aqui – disse Marta – o meu irmão não teria morrido”. As testemunhas do episódio, percebendo a perturbação e as lágrimas de Jesus diante do sepulcro fechado do amigo, murmuravam entre si: «Vejam como ele o amava…» (Jo., 11,3). Por tudo isto, o Evangelho de São João afirma, sem rodeios, que Ele amava os irmãos.
Da tradição e das fontes bíblicas, o que extrair da história destes três irmãos de Betânia? Em termos de significado, Marta representa a vida activa, sendo que em Maria temos a figuração da vida contemplativa, mais espiritual. Na realidade, Jesus não repreende Marta porque ela continuou a fazer “as suas coisas”, mas porque o fez com dificuldade e agitação. A preocupação com a vida material e mundana, o quotidiano enfim, não deve nos distrair da vida interior, da espiritualidade. Oração e trabalho, contemplação e acção, vida no mundo e vida fora dele, há um equilíbrio a fazer, para que o mundo seja um só, na plenitude. Como na casa de Betânia, do acolhimento e da hospitalidade, de receber quem vem como se fosse ao próprio Cristo.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa