Santa Rosa de Lima

Amor, sofrimento, fé, pobreza

Estávamos em 1586. Em Lima, no Peru colonial espanhol, nascia, a 30 de Abril, a primeira santa das Américas. Baptizada Isabel, era filha de pais espanhóis, Gaspar Flores e Maria Oliva, sendo a quarta de onze irmãos. Mas as cores das suas bochechinhas, rosadas, valeram-lhe o nome que a tornaram célebre. Pela santidade, pelo exemplo, pela virtude com que norteou a sua vida. Isabel tornou-se Rosa, graças, segundo uma tradição, ao carinho que lhe dedicava uma criada índia, Mariana, que repetia a cada hora: «És bonita como uma rosa». Mas não foram as faces rosadas ou a sua beleza simples que a tornaram conhecida, mas antes a sua vida. Curta, sofrente, piedosa, mas uma vida dedicada aos pobres, à contemplação do sofrimento de Cristo plasmado no mundo que a rodeava.

Se pensarmos na significação e simbólica da rosa, da flor, em jeito de preâmbulo, poderemos depois reflectir no carinho providencial da pobre criada índia em torno daquela menina. Na simbólica cristã, a rosa relaciona-se com o sangue de Cristo, o alimento espiritual dos cristãos. A rosa era também um símbolo mariano, da Virgem, “rosa sem espinhos”. “Ali está a rosa em que o Verbo Divino se incarnou”, cantava Dante Alighieri no seu Paraíso. A rosa era também antigamente o símbolo da discrição, do sigilo sacramental, da penitência, aparecendo por isso como símbolo dos confessionários. A rosa desde sempre foi o símbolo do amor, mas do sofrimento, pelos seus espinhos, que o amor comporta. E é o símbolo do silêncio, dos juramentos dos Romanos antigos, de manter o silêncio, “sub rosa”. O símbolo do divino, a rosa, também… E agora, Isabel… Ou Rosa.

Desde sempre que a sua beleza provocava elogios, mas a vaidade não foi o caminho escolhido pela jovem Isabel, antes o da penitência, logo na juventude. Obediente que era a seus pais, fiel à família, Isabel cresceu na humildade, num projecto pessoal de sequela Chisti, seguir a Cristo… Assim foi. O destino traçou-lhe o caminho também. Como sucedeu quando seu pai perdeu a sua fortuna e se viu nas ruas da amargura. A família havia muito que se mudara para Quives, tinha Isabel ainda doze anos. Só voltou a Lima alguns anos mais tarde, já em idade casadoira, quando os problemas económicos dos Flores se abateram sobre a família.

Mas Isabel, perante as dificuldades, nunca voltou as costas à sua piedade filial, ao seu apego à família, nunca se perturbou com a condição de pobreza e vida áspera. “Se os homens soubessem o que é viver em graça, não se assustariam com nenhum sofrimento e padeceriam de bom grado qualquer pena, porque a graça é fruto da paciência”, pensava Isabel naqueles dias penosos, quando começou a trabalhar como empregada doméstica, ela, que passara da fortuna à pobreza, material. A lavoura, a costura foram algumas das actividades em que a jovem Isabel, tardo-adolescente, se dedicou para sua subsistência e da família, vendendo também flores. Rosas, dizem. Mas voltemos a ler as significações da rosa, flor. E pensemos nesta mulher, Isabel, rosa humana vivente. Mulher generosamente prendada pela beleza e pelo jeito nobre, correcto, educado, melodioso, doce, muitos a tentaram cortejar ou com ela contrair esponsais, mas a todos Isabel declinou, por amor a Cristo, a quem se dedicou, em castidade, fidelidade e amor.

Cada vez mais Rosa, cada vez mais determinada no seu caminho, a jovem lutou também contra a vontade de seus pais, que a queriam casar, teria ela cerca de 20 anos. Mas provavelmente desde os dez que decidira o seu caminho. Que era a vida em trabalho, pobreza, castidade, ao serviço dos pobres. Foi com 25 anos que decidiu chamar-se Rosa, mas Rosa de Santa Maria. Primeiro contra sua vontade, pois não apreciava, na sua simplicidade, que lhe chamassem Rosa, nome que conotava como de vaidade. Mas um sacerdote dominicano de Lima, segundo relata Maria Oliva, sua mãe, terá dito a Isabel que «a sua alma era como uma rosa, em que se deleitava Jesus Cristo». E Rosa ficou para sempre. No fundo dos terrenos contíguos à sua casa de família cultivava rosas para vender, para amparo dos seus.

Ingressara entretanto na Ordem Terceira de São Domingos, a exemplo de Santa Catarina de Siena, a quem amava especialmente e seguia o exemplo místico. Com a ajuda de seu irmão Hernando, construiu uma cela, qual eremitério, de onde apenas saía para ir à igreja de Nossa Senhora do Rosário e para atender as necessidades espirituais dos índios e dos escravos negros de Lima e arredores. Mas muitos a visitavam, já famosa pela sua aura de santidade, pelas suas mortificações, pela sua espiritualidade ascética, pelo seu misticismo humano e crístico. Muitos doentes e pobres a procuravam na sua cela, aos quais ajudava com carinho, mas também mitigando as dores e o sofrimento. «O prazer e a felicidade de que o mundo pode me oferecer são simplesmente uma sombra em comparação ao que sinto», dizia Rosa de Santa Maria, assumindo a sua condição e múnus. Diz-se que colaborava com o seu conterrâneo e também santo, S. Martinho de Porres, OP (1579-1639), religioso dominicano afro-americano, o santo dos pobres, da paz, dos negros, dos escravos.

“Senhor, fazei-me sofrer, contanto que aumenteis meu amor para convosco”, no meio de tantas enfermidades e mortificações que padeceu. Imitando a Cristo, não raro punha na cabeça uma coroa de espinhos, alcançando um alto grau de vida contemplativa e de experiência mística. Todos os anos, na festa de São Bartolomeu, a 24 de Agosto, passava o dia inteiro em oração e ascese: «Este é o dia das minhas núpcias eternas», clamava rosa. Assim exalou o último alento de vida terrena. Morreu, conforme profetizou a vida toda, às primeiras horas desse dia, em 1617, na sequência de grave enfermidade, com apenas 31 anos de idade, exclamando que morria com Cristo, a quem dedicou a vida. Estava em casa de Gonzalo de la Maza, havia três meses, um honrado alto funcionário do vice-reinado de Lima, que muito estimava, como sua família, a Rosa.

Beatificada em 15 de Abril de 1668 pelo Papa Clemente IX, foi canonizada a 2 de Abril de 1671 pelo Papa Clemente X. É considerada Excelsa Patrona do Peru desde 1669, como do Novo Mundo também, e das Filipinas (1670), além do patronato de muitas outras instituições.

Uma Rosa, nascida das gotas de sangue de Cristo, derramado…

Vítor Teixeira

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