Última luta: defesa do Cristianismo!
Decorrem as últimas etapas processuais para a canonização de Takayama Ukon, um samurai japonês beatificado em 2017. Chamava-se Hikogoro Shigetomo. “Takayama” era o nome do castelo e das propriedades da família, a que se veio a acrescentar o domínio de Sawa.
O pai era o daimio Takayama Zusho. Os daimios eram os nobres, imediatamente abaixo dos grandes shoguns. No Japão ainda não unificado do Século XVI, os shoguns eram o equivalente aos reis das monarquias europeias e os daimios correspondiam à nobreza: eram os senhores dos exércitos, com os seus samurais, ao serviço do shogun.
Um dia de 1563, Takayama Zusho, pai de Takayama Ukon, foi encarregado pelo shogun de julgar o padre Gaspar Videla, um missionário jesuíta. Ficou tão impressionado com a mensagem cristã, que pediu o Baptismo. Convenceu outros dois juízes a baptizarem-se e levou um catequista, no regresso ao castelo. Depois da devida instrução, a mulher, os filhos e muitos dos seus soldados foram baptizados. Takayama Ukon, o filho mais velho e herdeiro, na altura com doze anos de idade, foi um dos que recebeu o Baptismo nessa altura.
Takayama Ukon sucedeu ao pai, como daimio, samurai e protector dos cristãos. Os samurais eram os chefes militares, semelhantes aos cavaleiros da Europa medieval.
Infelizmente, os samurais tinham muita actividade, naquele ambiente de confrontos generalizados. Takayama Ukon participou em várias batalhas, em que se destacou como um grande líder. Um dos episódios que o marcou foi o duelo com o filho de outro nobre amigo da família, tinha Takayama vinte anos, no qual o opositor morreu e Takayama ficou gravemente ferido. Foi nessa altura que Takayama compreendeu que só devia empregar as armas para defender os mais débeis, os órfãos e as viúvas.
De resto, a vida correu-lhe muito bem. Sucedeu ao pai como daimio, a família recebeu um novo feudo, casou-se, teve três filhos.
Com 25 anos teve de lidar com uma situação crítica. Um daimio vizinho rebelou-se contra o shogun, sitiou o castelo, prendeu uma irmã, um filho de Takayama e alguns cristãos.
A resposta de Takayama foi uma autêntica revolução cultural: apresentou-se desarmado no campo do inimigo, convidando-o a procurar um entendimento pacífico. Segundo os padrões da época, teria perdido a honra. Na verdade, a nobreza do gesto teve tal impacto que a questão se resolveu favoravelmente. O shogun reforçou-lhe a confiança, nomeou-o um dos generais mais importantes e propôs-se apoiar a comunidade cristã.
Takayama construiu uma igreja e um seminário, onde estudaram muitos rapazes (entre eles o conhecido Paulo Miki e muitos outros mártires). Desenvolveu a vida cultural e social, transformando o rito tradicional de tomar chá em ocasião de estreitar amizades e aproximar os amigos de Deus. Milhares de pessoas foram baptizadas naqueles anos e vários nobres daimios fizeram-se cristãos.
Quando Takayama tinha trinta anos, Toyotomi Hideyoshi ascendeu a shogun. Inicialmente, promoveu Takayama, mas, a certa altura, cada vez mais ambicioso, começou a temer o Cristianismo e iniciou a perseguição.
Takayama não aceitou renunciar ao Cristianismo, perdeu todas as funções e teve de fugir. Escondeu-se numa ilha remota, até que Toyotomi o descobriu e, em vez de o matar, reconciliou-se publicamente com ele, devolvendo-lhe a liberdade, mas não as funções nem as propriedades. Takayama aproveitou este período para desenvolver as comunidades cristãs em várias regiões do Japão.
O sucessor de Toyotomi lançou nova perseguição, muito mais cruel. Muitos católicos morreram, Takayama, então com 61 anos, a família e mais trezentos cristãos foram condenados ao exílio nas Filipinas. Os espanhóis acolheram-no à chegada a Manila com grande deferência, mas a longa e atribulada viagem, de centenas de pessoas num pequeno junco, fora tão dura que, quarenta dias depois da chegada, no dia 3 de Fevereiro de 1615, Takayama morria.
José Maria C.S. André
Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa