O Codex Mariendalensise o Castelo de Ansembourg
No mesmo dia em que visitámos o Grande Castelo de Ansembourg, estivemos também no seu “antecessor”, o Castelo de Ansembourg – a residência do Conde Ansembourg e da sua família, quando estes se encontram no Grão-Ducado.
Idealmente localizado junto à pequena aldeia de Ansembourg, pouco se sabe sobre a sua construção; acredita-se que tenha começado por volta de 1135, visto serem esses os primeiros registos escritos que se conhecem.
Em 2008, o Governo do Luxemburgo decidiu adquirir o espólio da biblioteca do castelo, pois anos antes foi descoberto, entre o acervo de mais de seis mil livros, o original do Codex Mariendalensis. Uma obra de grande importância para o Governo deste pequeno país, dado que o Codexestá escrito no dialecto Moselle Franconian arcaico, língua que precedeu o actual Luxemburguês e que era falada nos povoados junto ao Rio Moselle.
O castelo é propriedade privada mas permite à população em geral aceder aos bosques e florestas circundantes. Há locais de extraordinária beleza para serem disfrutados, sendo que os residentes e turistas podem aproveitar para usufruir da paisagem. Infelizmente para os mais curiosos, não dá para espreitar para o interior do castelo. Os domínios privados estão bem resguardados de olhares indiscretos por forma a garantir a privacidade da família.
Apesar de todo o peso histórico e social do Castelo de Ansembourg e do Grande Castelo de Ansembourg (este último foi nesta coluna descrito na passada edição, juntamente com a Capela do Monte Maria), o que assume todo o protagonismo é o Codex Mariendalensis, dada a sua importância para a história da língua luxemburguesa. Foi escrito por frei Hermann von Veldenz, em 1290, sete anos após a morte da personagem principal da história narrada no Codex, Yolanda vu Veianen, ou Yolanda de Vianden.
E quem foi Yolanda de Vianden? Trata-se de uma duquesa que viveu no Castelo de Vianden (do qual vos falaremos na devida altura) e que foi prometida em casamento, à semelhança do que acontecia na época com as jovens da nobreza europeia.
Yolanda foi a filha mais nova do Conde Henry I de Vianden e de Margaret de Courteney, Marquesa de Namur. Contra a vontade dos seus pais, acabaria, no entanto, por entrar no Mosteiro Dominicano de Marienthal. Este convento, o que resta dele, fica a poucos quilómetros do Castelo de Ansembourg. Foi pois aí que viveu Yolanda como religiosa, sempre ajudando os mais necessitados. Actualmente é considerada uma lenda no Luxemburgo.
A sua iniciação à vida monástica deu-se após ter visitado o mosteiro com a mãe. Tinha catorze anos e estava prometida a um nobre de seu nome Walram de Monschau. O casamento de conveniência tinha como objectivo consolidar a influência da Casa de Vianden e aumentar, assim, a sua luta contra os Duques do Luxemburgo. Acontece que a jovem duquesa não tinha qualquer intenção de casar e aproveitou a visita ao Mosteiro de Marienthal para fugir, tendo solicitado protecção ao claustro. Como já se adivinha, a decisão gerou a ira de toda a sua família, o que não foi suficiente para a fazer regressar a casa.
Mas esta história não termina aqui: um ano após Yolanda ter fugido, a mãe voltou a Marienthal, juntamente com alguns soldados, e ameaçou destruir o mosteiro. O resultado foi a entrega da jovem à mãe, que a levou de volta para o Castelo de Vianden, o que se veio a traduzir em perda de tempo. Yolanda continuou irredutível nas suas convicções e os pais viram-se obrigados a libertar a filha. Curiosamente, nos últimos anos da sua vida contou com a companhia da mãe, que também se refugiou no Mosteiro de Marienthal após a morte do marido numa Cruzada.
A firme vontade de Yolanda em trocar as riquezas e os privilégios da Nobreza por uma vida austera e devota é tão sensacional quanto inspiradora. Tal explica, sem dúvida, porque frei Hermann se inspirou para escrever a história desta jovem, bem como a razão pela qual se tornou numa figura tão reverenciada, acima de tudo, pelas mulheres luxemburguesas ao longo dos séculos e ainda hoje.
Poucas mais evidências existem da vida de Yolanda para além de um crânio, que dizem ser o dela, depositado na igreja dos Trinitários em Vianden, a sua terra natal.
Mesmo o Mosteiro Dominicano de Marienthal não resistiu ao tempo e foi encerrado no Século XVIII, sendo que actuamente, do pouco que ainda está de pé, nada revela sobre a vida da nobre religiosa.
Quanto ao Castelo de Ansembourg e à sua rica história, pouco se sabe, mais não seja porque não pode ser visitado. Até as fotografias que existem são poucas porque o castelo fica afastado da rua principal. Os mais curiosos podem sempre ficar hospedados numa unidade hoteleira de luxo que funciona num dos edifícios adjacentes ao castelo, se bem que dali também pouco se vê: apenas o portão de entrada do átrio principal – o que se compreende uma vez que a privacidade dos seus residentes por todos nós deve ser respeitada.
João Santos Gomes