CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLV

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CCXLV

O Pentecostalismo – XVII

A espiritualidade centrada nos dons do Espírito Santo relaciona-se facilmente com as noções de sensibilidade religiosa da maioria das camadas sociais menos afortunadas da América Latina. Para essa imensa base da sociedade, a categoria de milagre é igualmente fundamental, pelo que a noção de “actualidade dos dons do Espírito Santo” aumenta ainda mais o magnetismo pentecostal. O milagre torna-se assim uma possibilidade primária, na dimensão da realidade imediata, não algo extraordinário e para além da razão, tal como é visto pela sociedade mais secularizada.

Esta perspectiva “popular” da espiritualidade latino-americana funde-se assim com a natureza taumatúrgica pentecostalista, desde as curas milagrosas aos cenáculos de arrebatamentos e êxtases linguísticos. Essa sensibilidade de “encantamento” é assim estimulada pela teologia pentecostal nas suas adaptações locais e contemporâneas, mais ágeis e atractivas, menos “pesadas” do que as teologias protestante ou católica. Em particular ganham terreno à Igreja Católica, que, na perspectiva pentecostalista, faz enormes concessões à ciência e necessita de toda uma hierarquia de domínios eclesiásticos para reconhecer como milagre aquilo que as igrejas pentecostais automaticamente validam. E onde “acontecem” facilmente muitos milagres, a qualquer hora e sem restrições. Uma outra característica torna o Pentecostalismo atractivo no contexto latino-americano: de acordo com a sua matriz protestante, advoga a universalidade do sacerdócio, o que democratiza e facilita a emergência de líderes religiosos. Esta universalidade do sacerdócio permite que os pentecostais tenham uma grande capilaridade logística e cultural para conter a expectativa de milagres nas populações em que estão inseridos e desenvolvidos. Ou seja, a gestão da expectativa é feita de forma mais eficiente, de acordo com estratégias de implantação das igrejas ou de evitar defraudamentos se os milagres não ocorrerem de forma sistemática… Daí que cada pastor e cada nova igreja adaptem a sua doutrinação e práticas à sensibilidade do território social e cultural em que se inserem e assim produzam uma sintonia que outras confissões têm dificuldades em alcançar. Dito de outro modo, geram pregações, organizações e produtos culturais adaptados aos mais diversos nichos sociais e culturais, na mesma linguagem e sensibilidade.

UMA DINÂMICA DE CRESCIMENTO

Trata-se de facto de uma dinâmica verdadeiramente surpreendente, a qual através da universalidade do sacerdócio recria mais e mais versões do Pentecostalismo, promovendo um crescimento por fraccionamento e não por agregação em unidades cada vez maiores. Ou seja, a tendência é a pulverização, num crescimento rizomático, em que uma unidade que cresce rapidamente se desmembra ou divide noutras, com cada um dos renovos a fragmentar-se e o processo assim continua. Se compararmos os pentecostais com outras denominações cristãs fortemente proselitistas, mas com uma grande vocação centralizadora e portadoras de uma teologia que não prevê as mesmas possibilidades de acomodação ou adaptação ao povo (como no Pentecostalismo), como as Testemunhas de Jeová ou os Mórmons, estas têm registado um crescimento quase nulo, na América Latina. Os pentecostais, por sua vez, mostram uma capacidade de penetração territorial e cultural capaz de atrair múltiplos fragmentos sociais num grande número de hibridações do Pentecostalismo com diversas formas de cultura popular e de massas.

Outra das razões do sucesso pentecostal prende-se com a aproximação das lideranças ao povo, ou seja, há uma identificação natural entre ambos. Vivem as mesmas experiências, de vizinhança, de rua, o que permite uma maior interacção e também uma renovação de agentes pastorais mais intensa e rápida. A comunhão de experiências de quotidiano aproxima, na dimensão oposta do afastamento que existe entre lideranças e fiéis em denominações tradicionais. Por exemplo, muitos analistas apontam uma grande distância cultural entre a hierarquia católica e a sua massa de fiéis, mesmo com os ventos modernizadores do concílio Vaticano II (1962-1965). Ou seja, há um desfasamento com a sensibilidade popular encantada e focada no milagre e na multiplicação de dons e benesses, afastada cada vez mais do compromisso social, do rigor, do sacrifício, da penitência, do estudo, valores importantes para as religiões cristãs clássicas. A atribuída divisão entre os ministérios ordenados e os leigos na Igreja Católica é exactamente onde o Pentecostalismo capta e recruta as suas lideranças, em números avassaladores e com origem nas franjas mais periféricas da sociedade.

A partir da década de 1970 deu-se o grande salto demográfico do Pentecostalismo na América Latina. Este “boom” deu-se por efeito da “sementeira” proselitista dos pentecostais nos anos 1950 e por insatisfação popular com a ligação da Igreja aos regimes políticos que se abateram sobre aquela região do globo, a par da crise económica que se disseminou globalmente. Mas o amadurecimento dos esforços pentecostais iniciados há cerca de vinte anos é a principal razão, o que reforça o poder de atracção que exercem, em ordem a todas as razões e factores acima elencados.

Os pentecostais não crescem apenas através dos “mass media”, crescem acima de tudo de boca em boca, por proximidade, por redes; os espaços de televisão apenas legitimam a posição do crente e resolvem disputas de predominância entre igrejas. De igual modo, o conceito de “igreja electrónica” explica apenas uma pequena parte dos casos de conversões: muitas vezes, estas são de idosos isolados, dependentes da televisão e angustiados em noites solitárias. Mas a maior parte das conversões ocorre na vida quotidiana quando alguém tem um problema e uma pessoa perto acaba a recomendar a ida a um templo, onde então “acontecem coisas” que fazem “tudo funcionar”. Para muitos outros casos (jovens, casamentos em crise, adultos e pessoas de meia-idade perante vários tipos de problemas) a expansão em fragmentação criou uma rede de igrejas. Ou seja, há sempre uma igreja próxima e um amigo ou vizinho que recomendarão uma ida até a um desses inúmeros templos. O Pentecostalismo conseguiu penetrar nas mais diversas camadas sociais e nos mais variados estilos de vida, mas é inegável que o seu sucesso foi maior nos sectores ditos “populares”, onde o sofrimento social e pessoal não desaparecem e nada tem resultado na inversão do cenário. Por isso, quase como última hipótese, o templo pentecostal surge como porto seguro e oásis de esperança. O poder social das organizações pentecostais cresce, assim, de forma exponencial, na crise e na adversidade.

Tem-se assistido, todavia, a uma crescente politização dos pentecostais e de uma grande parte dos evangélicos na América Latina, com formas diversas e contingentes de mobilização política, que nas últimas décadas foram orientadas para a intervenção política e o fizeram através de tendências conservadoras, no que alguns já chamaram de “fascismo evangélico”.

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *