Práxis de Paz: a paz no nosso mundo – 3
Nas duas colunas anteriores apresentámos os quatro primeiros requisitos para a pacificação no nosso mundo, designadamente, (1) estar em paz connosco mesmos e com Deus, (2) estar em paz com as nossas famílias e com a comunidade em que nos inserimos, (3) ser um construtor de paz juntamente com a comunidade em que nos inserimos, (4) estar em paz com toda a criação. Nesta edição abordamos os dois últimos requisitos para a pacificação (o 5.º e o 6.º).
5– COMPARTILHE ALGO COM OS POBRES:
Um ponto significativo: a Comunidade de Santo Egídio entende a paz como “a arte de encontrar os pobres”.
Não posso amar a Deus sem amar o próximo (cf. 1 Jo., 4, 7-20). Não posso amar todos os próximos sem amar de modo especial o pobre mais próximo (cf. Mt., 25, 31-36). O amor preferencial pelos pobres é uma opção necessária que nasce da minha fé, esperança e amor. Se não revelo esta opção numa atitude de preocupação para com os oprimidos e sofredores da terra, e se não manifesto estas opções e atitudes em acções concretas para com os pobres e necessitados, não sou um pacificador. Sublinhemos, como o Papa Francisco, que no estudo e apresentação do Evangelho há um sinal que nunca devemos descurar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta (Veritatis gaudium nº 4).
Um texto emblemático retirado de São Basílio: “Quem tira a roupa de um homem, é ladrão. Quem não veste o indigente, quando o pode fazer, não merece outro nome que não seja ladrão? O pão que vós guardais pertence ao faminto; aos nus, o casaco que escondes nos cofres; aos descalços, os sapatos que estão empoeirados em vossa casa; e aos necessitados, a prata que vós escondeis. Em resumo, vós ofendeis todos aqueles que podem por vós ser ajudados”.
Outro texto essencial, desta vez de Santo Ambrósio, que comenta assim Nabote e o rei Acabe: “Não estais a dar os vossos bens ao pobre. Estais a entregar o que lhe pertence. Pois o que foi dado em comum para uso de todos, vós arrogastes. O mundo é dado a todos e não apenas aos ricos”.
Há uma voz forte no nosso mundo que nos chama a atenção para cuidarmos, especialmente, das espécies vivas que estão ameaçadas de extinção. Como nos lembra Leonardo Boff, as espécies mais ameaçadas são as mais pobres. No caso dos humanos, também temos que cuidar dos mais pobres. Neste contexto, poderíamos questionar-nos sobre o nosso estilo de vida: Como é o nosso estilo de vida, incluindo o dos gurus dos movimentos ecológicos? É simples ou, pelo contrário, um pouco confortável? É maravilhoso citar o pensamento ecológico do Papa Francisco, mas tal seria incompleto se não estivéssemos conscientes de que o seu ensinamento liga, de forma estreita e contínua, “o grito da terra” com “o grito dos pobres” (Laudato si’, n.os 10, 49, 91 e 94), que compõem a ecologia integral. Lembro-me das palavras dos bispos canadianos, proferidas há já algum tempo: “Vivamos simplesmente para que outros possam simplesmente viver”.
6– REZE PELA PAZ:
A paz interior e a paz exterior são dádivas de Deus que exigem a nossa cooperação com os Seus dons divinos. Rezamos a Deus pela paz através de Jesus, que é a nossa paz (cf. Ef., 2, 14) no Espírito Santo.
Oração, meditação e contemplação, com arrependimento e perdão, são caminhos eficazes para aprofundar e fortalecer a paz interior, que é o requisito básico para trabalhar a paz exterior. Por meio da oração genuína aperfeiçoa-se a comunhão com Deus e o próximo e, igualmente, a paz como fruto do amor a Deus e ao próximo. São João Crisóstomo: “A oração dá alegria ao espírito e paz ao coração”. Com efeito, o encontro com Deus liberta-nos do pecado, une-nos a Deus e impele-nos a servir o próximo (cf. Papa Bento XVI, Mensagem pelo Dia Mundial da Paz de 1 de Janeiro de 1992).
São João Paulo II: “A oração não só nos predispõe ao encontro com o Altíssimo, mas também ao encontro com o próximo, ajudando-nos a relacionar com todos, sem discriminação, com respeito, compreensão, estima e amor… A oração, como expressão autêntica de um relacionamento correcto com Deus e com os outros, já é uma contribuição positiva para a paz”. O Papa polaco pedia constantemente aos cristãos e a todas as pessoas religiosas que rezassem pela paz. De facto, memorável foi o seu encontro com representantes de todas as religiões em Assis, no dia 24 de Janeiro de 2002, em que todos rezaram por uma paz enraizada no amor e no perdão. Os cristãos rezam pela paz na Celebração Eucarística e oferecem uns aos outros – e a todos – um sinal de paz.
A nossa oração será uma oferta agradável a Deus, se for precedida de um esforço sincero de reconciliação com os irmãos, isto é, de perdoá-los e pedir-lhes perdão. Somos convidados a orar e jejuar. Para Gandhi, para os nossos santos, o jejum é uma penitência, um instrumento de purificação e uma espécie de oração – uma oração melhor.
Contudo, ao me aperceber que sou fraco, pobre e egoísta, tenho de rezar sempre como cristão individual e como membro da Igreja de Cristo – comunidade de fé, esperança e amor. Santa Catarina de Sena diz-nos que a oração é a mãe de todas as virtudes e, portanto, também da paz. Rogo a Deus pela paz. Peço a Maria e a todos os santos que me ajudem – e aos meus irmãos e irmãs – a estarmos comprometidos com a paz. Mas – repito – não posso ser um pacificador se não tiver paz interna. E não posso possuir paz interna se não estiver em paz com Deus. Rezo, portanto, pela minha contínua conversão a Deus.
Maria, a Mãe de Deus e nossa Mãe, é a Rainha da Paz (Regina pacis). Em particular, somos convidados a rezar o Rosário da Virgem Maria pela paz: “O Rosário é por natureza uma oração pela paz” (João Paulo II, Carta Apostólica Rosarium Virginis Mariae, Outubro de 2002, nº 40).
Todos os povos religiosos rezam pela paz, porque a paz é também um dom de Deus. Os cristãos rezam pela paz e pela obtenção dos elementos essenciais da paz – justiça, amor, compaixão, liberdade e verdade: “Orar pela paz significa rezar pela justiça, por um recto ordenamento no âmbito das Nações e nas relações entre elas. Quer dizer também rezar pela liberdade, especialmente pela liberdade religiosa, que é um direito humano e civil fundamental de cada indivíduo. Orar pela paz significa rezar para alcançar o perdão de Deus e, ao mesmo tempo, crescer na coragem de que necessita quem, por sua vez, quer perdoar as ofensas sofridas” (Papa João Paulo II, Mensagem pelo Dia Mundial da Paz de 1 de Janeiro de 2002).
CONCLUSÃO
É fácil falar ou escrever sobre o Evangelho da Paz. É muito fácil denunciar a injustiça, a violência e o egoísmo. Não é difícil dizer aos outros – dizer-vos – que optem pela justiça, pela paz e pelos pobres.
Tive um excelente professor de Ética Social Cristã, Ricardo Alberdi. Costumava dizer-nos, depois de denunciar veementemente a injustiça e proclamar de forma convincente a justiça: “Somos todos membros da Igreja de Cristo. De alguma forma, ela ainda está parcialmente presa na teia do capitalismo; e muitos dos seus membros também. E nós também. E eu também! Portanto, aconselho-vos a começar o ensino e pregação sobre a justiça – ou sobre a paz – assim: ‘Eu sou um pecador; ainda assim, eu vos digo, não em meu nome, mas em nome de Jesus: sejais justos; sejais pacificadores’”.
Pe. Fausto Gomes, OP