Práxis de Paz: a paz no nosso mundo – 2

REFLEXÃO

Práxis de Paz: a paz no nosso mundo – 2

Na coluna anterior apresentámos os dois primeiros requisitos para a pacificação no nosso mundo, designadamente, (1) estar em paz connosco mesmos e com Deus, e (2) estar em paz com as nossas famílias e com a comunidade em que nos inserimos. Nesta coluna iremos abordar mais dois requisitos para a pacificação (o 3.º e o 4.º).

3– SEJA UM CONSTRUTOR DE PAZ JUNTAMENTE COM A COMUNIDADE EM QUE SE INSERE:

Jesus disse: «Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt., 5, 9). O método dos pacificadores é este: de dentro para fora; de uma pequena comunidade para uma grande comunidade; da paróquia à diocese e à região; da nação para o mundo. São Paulo aconselha-nos: «Empreendei todos os esforços para viver em paz com todos» (Rm., 12, 18).

Tenho que promover a paz em união com os outros. Tenho que trabalhar pela justiça e pela solidariedade, pela promoção da solidariedade num mundo cada vez mais global, sem marginalizar terceiros. Com todos os homens e mulheres de boa vontade, tenho de promover a paz de forma não violenta e pacífica. Tenho que falar com os outros a linguagem da paz e promover os símbolos da paz. Para promover a paz social, tenho que ser verdadeiro e responsavelmente livre. Tenho que promover com os outros a justiça, os direitos humanos, o desenvolvimento integral e a integridade da Criação. Devo percorrer os caminhos da justiça e do amor – os caminhos das virtudes.

Um monge budista cambojano escreveu:

“A ternura coloca paz no coração.

Um coração tranquilo coloca paz no ser humano.

Um ser humano pacífico coloca paz numa família.

Uma família pacífica coloca paz numa comunidade.

Uma comunidade pacífica coloca a paz numa nação.

Uma nação pacífica coloca a paz no mundo”.

Ontem e hoje, houve e há muitos mártires pela justiça, por praticarem e promoverem destemidamente a justiça e o amor. São Tomás de Aquino, o doutor angélico, afirmou: «Não sofre só por Cristo quem sofre pela sua fé em Cristo, mas também quem sofre por qualquer acção de justiça em nome do amor de Cristo».

4– ESTEJA EM PAZ COM TODA A CRIAÇÃO:

A pessoa humana é um microcosmo, ou seja, um indivíduo único, um ser racional e livre. Também é membro do macrocosmo, ou seja, uma pessoa responsável, um filho do Universo. Criatura de Deus, é co-criador com Ele e sob Ele: foi criado por Deus para ter domínio sobre toda a terra (cf. Génesis 1, 28); para trabalhar pela integridade da Criação.

Interessante o que diz o teólogo evangélico Jonathan Wilson, num comentário a Génesis 1, 28: “Observe que a ordem de subjugar a terra e ter domínio sobre ela foi dada à humanidade antes da Queda. Uma coisa é dizer à humanidade sem pecado para subjugar e ter domínio, outra bem diferente é dizer isso à humanidade pecadora e caída. Os relatos deste mandamento geralmente não dão atenção suficiente a esta diferença” (“Virtudes do Evangelho. Praticando a Fé, a Esperança e o Amor em Tempos Incertos”). Inicialmente, a relação do homem e da mulher com Deus, e com a Sua criação, era de amor. Com a Queda no pecado, esse relacionamento tornou-se um relacionamento de separação e de poder – um relacionamento rompido.

Como criaturas do Universo, todos os seres humanos devem respeitar e melhorar a natureza, e não a explorar de forma irresponsável e ditatorial. Recordemos as palavras significativas do venerável Fulton Sheen: “O lixo moral é a causa do lixo ecológico”.

Os humanos e os cristãos, na qualidade de cidadãos conscientes, devem difundir a consciência ecológica (desapegada de ideologias restritivas), a responsabilidade ecológica e lutar pacificamente, em solidariedade com os outros, contra a poluição e o desequilíbrio ambiental, e ainda pela partilha, por todas as pessoas e povos, do património comum que é a Terra.

Precisamos de ícones e modelos de autêntica preocupação ecológica. Para nós, cristãos, e depois de Cristo, os santos, em particular os místicos, são excelentes paradigmas. Os místicos não se preocupam apenas com a união com Deus, mas também com a união com o próximo e com a Criação, Sacramento de Deus. Na realidade, uma união mais profunda com Deus implica um compromisso mais profundo com o próximo e com a Criação. Não admira que São Francisco de Assis seja, desde 1979, o santo padroeiro dos ecologistas, e Assis seja hoje uma escola de paz – um lugar encantador para falar de paz e rezar pela paz.

Palavras para reflectir: visto que “me apaixonei por ti, Senhor, e agora o universo e tudo o que nele há me diz para te amar, e diz a mesma coisa a todos nós, que fiquemos sem desculpa” (“Confissões” de Santo Agostinho).

Para estar em paz com a Criação, precisamos também de estar em paz com Deus, que é a paz fundamental: «Se o homem não estiver em paz com Deus, também a própria terra não estará em paz» (Papa João Paulo II, Mensagem pelo Dia Mundial da Paz de 1 de Janeiro de 1990).

Pe. Fausto Gomes, OP

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