Anunciando a Boa Nova da Paz: da não-violência à paz – 4
No dia 1 de Janeiro de 2017, o Papa Francisco inaugurou o ano com uma mensagem poderosa – ainda hoje muito relevante – intitulada “A não-violência: estilo de uma política para a paz”. Infelizmente, a violência continua a abundar no nosso mundo. Diz o Papa: vivemos num “mundo partido”, num “mundo horrível”, onde a guerra é travada aos poucos. Francisco clama que existe “violência fragmentada” de diferentes tipos e níveis: “Guerra em diferentes países e continentes; terrorismo, crime organizado e actos de violência imprevistos; e a devastação do meio ambiente”.
Existem, continua o Papa, “traficantes de armas e grandes quantidades de recursos são gastos em armas de guerra, enquanto jovens e idosos sofrem terríveis dificuldades”. Estilo de vida humano e cristão: amor não-violento.
“A violência é indigna do homem; a violência é uma mentira”, afirmou João Paulo II, em visita à Irlanda, no dia 29 de Setembro de 1979.
Na verdade, como disse o Papa Francisco em 2020: “A violência leva a mais violência, o ódio a mais ódio, a morte a mais morte. Devemos quebrar este ciclo que parece inevitável.” Infelizmente, “cada morte violenta nos diminui como pessoas”.
Como podemos combater a violência de forma não-violenta? A violência é combatida e curada não por mais violência, mas pela não-violência activa. A não-violência significa, literalmente, “não à violência”, ou negação da violência como caminho para a mudança social, a justiça e a paz. Não significa resistência passiva ao mal social ou afastamento do mundo, mas sim não-violência activa como forma de dizer não à violência através de palavras e acções pacíficas e corajosas. A não-violência activa não significa rendição, falta de envolvimento social ou passividade. É não retribuir o mal com mal. É uma qualidade do autêntico amor humano e cristão, que pressupõe a justiça e respeita a verdade e a liberdade. Referiu o Papa Bento XVI: “Para os cristãos, a não-violência não é apenas um comportamento táctico, mas o modo de ser de uma pessoa, a atitude de quem está convencido do amor e do poder de Deus”.
Para muitos seres humanos, grupos e diferentes religiões, a não-violência é o caminho ético apropriado que lhes está aberto para alcançar a justiça e a paz. Para os crentes, Jesus é o servo sofredor do profeta Isaías (cf. Is., caps. 42-53) que testemunhou e proclamou: não ao “olho por olho e dente por dente”; “não resistas ao malfeitor” (Mt., 5, 38-39). Jesus também ensinou: “coloque a espada de volta ao seu lugar; todos os que lançarem mão da espada à espada perecerão” (cf. Mt., 26, 52). “Com estas palavras”, comenta Orígenes, “o Senhor desarmou todos os cristãos”. Não só sofre por Cristo quem sofre pela sua fé em Cristo, mas também quem sofre por qualquer acção de justiça em nome do amor de Cristo.
O Concílio Vaticano II ajudou a desenvolver o crescente movimento de não-violência no seio da Igreja. Os Padres do Vaticano II, “levados pelo mesmo espírito, não podem[os] deixar de louvar aqueles que, renunciando à violência na reivindicação dos próprios direitos, recorrem a meios de defesa que estão também ao alcance dos mais fracos – sempre que isto se possa fazer sem lesar os direitos e obrigações de outros ou da comunidade” (Gaudium et spes, 78).
Mahatma Gandhi, Martin Luther King Jr., São Óscar Romero – apóstolos da não-violência – seguiram o caminho do amor não-violento. Palavras de Gandhi: “Conquistar o ódio pelo amor, a mentira pela verdade, a violência pelo sofrimento”; “Nada além da não-violência organizada pode conter a violência organizada do Governo.” De Martin Luther King Jr.: “Não obedeceremos a leis injustas nem nos submeteremos a práticas injustas. Faremos isto de forma pacífica, aberta e alegre, porque o nosso objectivo é persuadir. Adoptamos os meios da não-violência porque o nosso objectivo é uma comunidade em paz consigo mesma”. De São Óscar Romero: “Nunca pregamos a violência, excepto a violência do amor, que deixou Cristo pregado na cruz, a violência que cada um de nós deve fazer consigo mesmo para superar o nosso egoísmo e as cruéis desigualdades entre nós”.
O caminho da não-violência para uma mudança pessoal e social positiva pode ser percorrido através de diferentes estratégias e tácticas, tais como marchas de protesto, manifestações, piquetes, boicotes, greves – incluindo greve de fome –, comícios de oração, desobediência civil, etc. Aquela que está de acordo com a verdade e a prudência, e é praticada no amor a todos os próximos.
Certamente, o caminho da não-violência não é nada fácil: o sofrimento faz parte do caminho. Mais cedo ou mais tarde, muitos manifestantes irão cansar-se e desistir gradualmente do difícil caminho da luta não-violenta e substituí-lo por estratégias violentas, ou simplesmente desistir.
Como pode ser observado em diferentes países, as manifestações públicas massivas geralmente começam de forma pacífica, mas não duram pacíficas por muito tempo. Na verdade, a resistência colectiva é o elemento mais difícil das estratégias não-violentas bem-sucedidas em direcção à justiça e à paz. Para uma resistência contínua, os manifestantes não-violentos precisam – como é patente na vida das testemunhas icónicas da não-violência – de uma espiritualidade profunda, que implica uma atitude de perdão e amor, uma purificação da alma e uma motivação pura.
Poucos dias antes da Revolução Filipina EDSA (1986), que derrubou a ditadura do então Presidente Ferdinand E. Marcos, a Conferência dos Bispos Católicos emitiu uma profética Declaração Pós-Eleitoral na qual os bispos filipinos rejeitavam, por um lado, a apatia social, e por outro, meios violentos: “O caminho que nos é indicado agora é o caminho da luta não-violenta pela justiça. Isto significa resistência activa ao mal por meios pacíficos – à maneira de Cristo… Insistimos: a nossa actuação deve estar sempre de acordo com o Evangelho de Jesus Cristo, ou seja, de forma pacífica e não-violenta”.
Palavras do Papa Francisco para reflexão: “Convido as comunidades eclesiais que vivem em tais contextos, sob a orientação dos seus Pastores, a trabalhar pelo diálogo, sempre a favor do diálogo, e a favor do perdão, da reconciliação” (Ângelus, 13 de Setembro de 2018).
Como sempre, a oração é útil no processo das lutas não-violentas. Na perspectiva da fé cristã, a não-violência é a não-violência orante. Recordamos as palavras de Jesus: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos maltratam” (cf. Lc., 6, 27-28; cf. Mt., 5, 44).
Pe. Fausto Gomes, OP
LEGENDA: Papa com António de Volokolamsk, Vigário do Patriarcado de Moscovo