Grande obstáculo à Paz: a guerra! – 3

REFLEXÃO

Grande obstáculo à Paz: a guerra! – 3

Quando alguém fala de guerra, numa perspectiva ética e teológica, provavelmente pensará na clássica “Teoria da Guerra Justa”. Mas podemos falar hoje de guerras justas?

A “TEORIA DA GUERRA JUSTA”

No passado, e até ao Século XX, as guerras pareciam ser inevitáveis e a aplicação da “Teoria da Guerra Justa” uma exigência ética – ou desculpa – para ir à guerra e defender o acto da guerra. Após os ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, a “Teoria da Guerra Justa” foi como que ressuscitada novamente. Então, o Presidente George W. Bush e outros líderes mundiais recorreram à “Teoria da Guerra Justa” para justificar a guerra contra o terrorismo e outras guerras que se seguiram. O Papa João Paulo II reagiu de imediato: «Não pode ser aplicada!».

A guerra é entendida como um conflito armado travado entre exércitos de Estados “inimigos”. Mas há diferentes tipos de guerra. Apontamos duas categorias distintas: guerra ofensiva (guerra provocada contra outro Estado) e guerra defensiva (guerra contra um agressor injusto).

A expressão “guerra justa” foi cunhada por Aristóteles e pelos filósofos gregos. A “Teoria da Guerra Justa” foi proposta e defendida pelos dois maiores teólogos da História da Igreja: Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. O Doutor Angélico colocou a si próprio a questão: É sempre pecado fazer a guerra? Geralmente, é desumano e anticristão travar uma guerra, pois atenta contra a caridade e o amor que são, essencialmente, pacíficos. Excepcionalmente, a guerra pode ser lícita – ética e justificável –, desde que preencha três condições rigorosas: seja convocada pela autoridade pública; exista uma causa justa, sendo a intenção correcta; e se trave em prol da justiça e da paz.

A condição mais difícil de cumprir é a segunda: recorrer à guerra por uma causa justa, o que exige o cumprimento de quatro regras muito estritas: 1– Presença real de uma grave injustiça, que deve ser perseguida de forma obstinada; 2– Real necessidade de recorrer à guerra para obter justiça; 3– Proporção entre a gravidade da injustiça e as calamidades decorrentes da guerra (princípio do “duplo efeito” e do “mal menor”); 4– Probabilidade realista de vitória.

Obviamente, a doutrina de São Tomás sobre a guerra justa, dentro do tratado da caridade, está ordenada com o objectivo de evitar as guerras. Por que razão? Porque é quase impossível cumprir as condições estritas ad bellum (ir para a guerra) e in bello (durante a guerra). O Catecismo da Igreja Católica fala sobre a guerra no capítulo dedicado ao Quinto Mandamento: Não matarás! Transmite o ensinamento da Igreja, particularmente as condições para uma guerra justa, a partir do Concílio Vaticano II (CIC n.os 2307-2317), dando primazia à guerra defensiva.

NÃO À GUERRA, SEMPRE?

Por meio da Constituição Gaudium et Spes, o Vaticano II (1962-1965) elucida quanto ao significado da verdadeira paz e condena a selvageria da guerra. A paz é “mais do que a ausência de guerra”. O Papa Bento XVI fala de paz “não como a mera ausência de guerra, mas como uma coexistência harmoniosa de cidadãos individuais dentro de uma sociedade governada pela justiça, na qual o bem também é alcançado, na medida do possível, para cada um deles” (Mensagem pelo Dia Mundial da Paz, 1 de Janeiro de 2006). Trabalhar pela paz exige respeito absoluto pelas outras pessoas, pelos povos e pela prática do amor fraterno (GS n.º 78). A paz é fruto da justiça e do amor. Sem estes, especialmente o amor ao próximo, a animosidade e o ódio não cessarão e continuarão a causar guerras. “A antiga escravatura da guerra” não é um bom meio para a paz, embora possa haver uma guerra defensiva (desde que legítima) como último recurso.

O Vaticano II é “contra os crimes de guerra”, contra a “guerra total” e a corrida ao armamento, que é considera imoral; “uma armadilha totalmente traiçoeira para a humanidade” que prejudica imensamente os pobres (cf. GS n.os 77-82).

O Papa João XXIII rejeitou a dissuasão e propôs um desarmamento progressivo. Era firmemente contra a guerra no novo contexto das armas nucleares. Já São Paulo VI gritou, a 4 de Outubro de 1965: “Chega de guerra! Guerra nunca mais! Paz, é a paz que deve guiar o destino dos povos e de toda a humanidade”. Por sua vez, São João Paulo II falou do direito de nos defendermos – pessoal e colectivamente – contra o terrorismo. Este direito, como sempre, deve ser exercido com respeito pelos limites morais e legais na escolha dos meios e dos fins a alcançar. No entanto, muito frequentemente, os limites morais e legais são deixados de lado.

Para o Papa Francisco, a guerra é um vírus devastador (Fratelli tutti n.º 258). Nesta encíclica, o Santo Padre desaprova “a possibilidade de defesa legítima por meio da força militar” e defende que “ataques preventivos ou actos de guerra implicam males e desordens mais graves do que o mal a ser eliminado”. Sublinha também “a injustiça dos danos colaterais” que aceita injustamente a morte de civis. A guerra implica “a negação de todos os direitos e um ataque dramático ao meio ambiente”. Cada guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma capitulação vergonhosa, uma derrota dolorosa diante das forças do mal. No contexto das armas nucleares, químicas e biológicas, e da enorme possibilidade crescente de novas tecnologias, existe o grave perigo de não as utilizarmos sabiamente: “Não podemos mais pensar na guerra como uma solução, porque os seus riscos provavelmente sempre serão maiores do que seus supostos benefícios… Não mais a guerra!”.

Francisco prova, de forma convincente, que o conceito tradicional de “guerra justa (…) não pode mais ser defendido hoje”. O Pontífice condena firmemente a corrida ao armamento: acumular armas nucleares é um mal, um mal para todos: “A paz e a estabilidade internacionais não podem basear-se num falso sentimento de segurança, na ameaça de destruição mútua ou de aniquilação total, ou simplesmente em manter um equilíbrio de poder”.

Mas podemos ou não falar actualmente em guerra justa? Respeitosamente, não! E o facto da legítima defesa colectiva poder ser realizada de forma justa como último recurso? Talvez!… Mas, por que como último recurso? Por que não tentar, repetidamente, através de meios pacíficos, como mais diálogo, mais negociações, por intermediários credíveis e respeitados, etc.?

Na nossa actual realidade sombria de propagação de guerras aqui e ali, será irrealista – e inútil – falar hoje contra a guerra? Pelo contrário! Precisamos conversar e opor-nos à guerra de modo fiel e consistente. O Vaticano II proclama: “É nosso claro dever esforçar todos os músculos enquanto trabalhamos para o momento em que todas as guerras possam ser completamente proibidas pelo consentimento internacional”.

Portanto, “NÃO MAIS A GUERRA! Que as armas fiquem em silêncio. Que se oiça o grito de paz, do povo, dos pobres, dos idosos, das crianças. Só existe um lado para os fiéis: o lado da paz” (Papa Francisco, Ângelus, 25 de Outubro de 2023).

Na próxima edição, falaremos do amor não violento como o caminho para a paz.

Pe. Fausto Gomes, OP

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