Peregrinos na Jornada da Vida
O Salmista apresenta-se: «Sou um peregrino sobre a terra» (Sl., 119, 19); «Ouve, SENHOR, minha oração, e atende a minha súplica; não ignores minhas lágrimas, porquanto, perante ti, sou um estrangeiro, como foram todos os meus antepassados» (Sl., 39, 12). E assim somos todos, como nos descreve São Pedro: «Amados, exorto-vos como a peregrinos e estrangeiros [na terra]» (1 Pe., 2, 11).
Somos peregrinos, não vagabundos sem meta ou objectivo concreto. Como bem disse o monge Cassiano: “Não há chegada sem que haja um plano definido para partir” (Conferências). O objectivo humano universal é a felicidade.
Um peregrino não é um turista, não é apenas um viajante, mas um viajante em busca da felicidade. Não um espectador, mas um viajante que anseia pela sua terra prometida, por Jerusalém ou pela nova Jerusalém, buscando – consciente ou inconscientemente – um ser supremo: a busca universal da felicidade é a busca misteriosa de Deus.
Do berço ao túmulo, todo o ser humano é um peregrino, indo para algum lugar. Um turista norte-americano visitou um famoso rabino polaco, Hafetz Chaim. O turista ficou maravilhado com a austeridade do quarto do rabino e perguntou-lhe: «– Rabi, onde estão os seus móveis?». O rabino respondeu com uma pergunta: «– Onde está o seu?». O norte-americano retorquiu: «–Meu? Mas sou apenas um visitante, estou de passagem?». «– Eu também, eu também!», rematou o rabino (W. Barclay). Somos todos visitantes na terra, como moradores de tendas, como viajantes, apenas de passagem.
O peregrino tem uma meta a alcançar. Esse objectivo ou fim é o primeiro em intenção, embora o último em execução. Todo o acto humano, ou atitude, ou profissão, tem um objectivo a alcançar. Para os crentes – a maioria da Humanidade –, a meta é a vida após a morte, ou o céu, ou um lar feliz. Portanto, o peregrino é uma pessoa esperançosa.
Todo o peregrino espera um amanhã melhor, chegando a muitos destinos – próximos ou remotos. Um crente, um cristão, membro de uma Igreja peregrina (cf. Gaudium et spes, 57), espera alcançar também muitos destinos temporais, mais um: “um novo céu e uma nova terra” (cf. Ap., 21, 1-4). A vida cristã é um caminho de esperança para Deus, que é “a meta última do homem” (GS, 41).
A 28 de Fevereiro de 2013, no último dia do seu pontificado, Bento XVI despediu-se à noite de forma breve e emocionante. Disse então: serei simplesmente «um peregrino que está a iniciar a última parte da sua peregrinação na terra». O Papa Francisco, tal como João Paulo II, também se autodenomina como “peregrino no mundo”, tendo classificado a sua viagem ao Canadá, em Julho de 2022, como “peregrinação penitencial”. Na realidade, todas as verdadeiras peregrinações são peregrinações de fé, penitência e conversão, e de esperança orante e jubilosa – à procura de Deus!
Nesta vida, há dois caminhos a seguir: o caminho do mundo ou o caminho de Deus, o caminho do mal ou o caminho do bem e da virtude. O caminho do egoísmo, do ódio, do espírito implacável, da insensibilidade para com os pobres e necessitados acaba por levar à infelicidade: «Não entres na vereda dos ímpios, nem andes no caminho dos malfeitores» (Prov., 4, 14). Por outro lado, o caminho da bondade, da oração, da compaixão e do serviço aos outros, dá e aumenta a felicidade. A meta da boa estrada parece muito atraente, mas não é fácil alcançá-la: a esperançosa estrada para a felicidade, para o céu, não é uma estrada fácil: muitas vezes é uma estrada esburacada e pedregosa, e às vezes a visibilidade da estrada é quase zero; trata-se de noites verdadeiramente escuras em que graves sofrimentos, sérias dúvidas e solidão deprimem o peregrino. Ainda assim, a esperança, virtude do peregrino, torna o caminho difícil mais aprazível, até alegre: «Os nossos sofrimentos do presente não podem ser comparados com a glória que em nós será revelada» (Rm., 8, 18).
Jesus diz: «O caminho que leva à perdição» é fácil, enquanto que «o caminho que leva à vida» é difícil (cf. Mt., 7, 13-14). Fazemos um bom caminho, de acordo com São Paulo, se nos despojarmos das obras das trevas e nos revestirmos com a armadura da luz (Rm., 13, 12). Os pecados são obra das trevas na nossa jornada, enquanto a graça e o amor de Deus nas nossas almas são a nossa armadura de luz.
Um bom caminho é o caminho das virtudes – das virtudes humanas e teologais, sobretudo, da esperança permeada pelo amor humano ou pela caridade. Embora para os cristãos a virtude mais fundamental seja a fé e a mais perfeita e necessária seja o amor, a esperança é a virtude constitutiva do peregrino, animal esperançoso. Péguy chamou à esperança de “irmãzinha da fé e da caridade”; mas em certo sentido, acrescentou, é o mais importante, pois ela carrega os outros dois. A virtude, o bom hábito do peregrino, é a esperança que por si só dá certa felicidade: “A esperança é em si uma espécie de felicidade e talvez a principal expressão de felicidade que este mundo pode oferecer” (Samuel Johnson).
Para sermos verdadeiramente esperançosos, devemos ser fiéis no momento de fazer o que devemos fazer, com amor: “Deus fala apenas no presente” (Kierkegaard). Tal como as outras virtudes, a esperança precisa de uma vida de amor para seguir em frente: “Só com passos de amor avançamos” (Santo Agostinho). Como peregrinos somos apaixonados por Deus, pelos outros, pela criação. Só amando os outros como irmãos podemos semear amor e assim ser mais felizes e fazer felizes as pessoas: “Põe amor onde não há e colherás amor” (São João da Cruz).
A verdadeira felicidade relativa e real é possível “já” nesta vida temporal, mas a felicidade plena “ainda não”, porque «a nossa pátria é o céu» (Fil., 3, 20). Com a visão de Deus diante de nós, caminhamos pelo caminho que leva à felicidade: a Deus.
Para sermos fiéis à meta da vida, para escolher o bom caminho, precisamos da ajuda de Deus, precisamos de rezar. Assim, diz o Senhor: «E o SENHOR continua declarando: “Parai sobre os cruzamentos e observai; indagai pelos caminhos antigos, interrogai pelo bom Caminho! Agora, pois, caminhai por ele! Então alcançareis paz e descanso para vós”» (Jeremias 6:16).
Pe. Fausto Gomez, OP