Chamados a ser místicos – 3
Todos os santos e místicos falam-nos de Deus Uno e Trino, e do amor de Deus e da sua experiência da presença existencial de Deus nas suas vidas. Falam-nos de Jesus Cristo, do Filho de Deus, que é seu mestre espiritual, místico por excelência e amante; e do Espírito Santo, que habita – com o Pai e o Filho – no fundo da alma e dá graça divina com os seus Dons. Falam afectivamente e efectivamente nos seus ensinamentos e, sobretudo, com o comovente testemunho da sua vida de amor, humildade, oração, desapego, cruz, alegria, contemplação e compaixão.
Depois de ter estudado cuidadosamente os clássicos da Espiritualidade Cristã, o teólogo Peter John Cameron concluiu que neles se encontram sete temas recorrentes: a crença no amor de Deus (1); A misericórdia de Deus, o pecado e o modo da alma (2); a instrumentalidade da Igreja e a comunhão dos santos (3); a importância da oração e das lutas com a aridez (4); as dinâmicas do desapego e da santa indiferença (5); o papel redentor do sofrimento (6) e a devoção à Santíssima Virgem Maria (7).
Embora a vida mística seja quase exclusivamente ligada a fenómenos sobrenaturais extraordinários, na realidade é semelhante à vida espiritual/moral, a uma boa vida cristã, que começa com a presença da graça de Deus (e a habitação da Santíssima Trindade) na alma e se desenvolve através da percepção experiencial dessa presença amorosa numa vida virtuosa. A vida mística, escreve H. C. Graef, “não é nada mais do que a vida de graça vivida no seu mais alto nível”. O dominicano Henry de Suso acrescenta: a vida mística é “o caminho para viver a vida quotidiana em liberdade e em sereno abandono interior, e fazer dos conflitos e decepções quotidianas uma abertura para Deus”. “Alcançar a perfeição não consiste em obter misericórdias, nem em ter o dom das línguas ou o espírito de profecia, mas em conformar a nossa própria vontade à vontade de Deus, de tal forma que tudo o que Ele quer, também nós queremos, e aceitamo-lo com alegria, seja saboroso ou amargo” (Santa Teresa de Ávila).
Os místicos são muitas vezes deixados de lado pelos cristãos, como se fossem admirados, mas não imitados. Eles são considerados inalcançáveis. Mas são alcançáveis! Apenas temos que ler as suas vidas e os seus ensinamentos para nos convencer da sua acessibilidade. Além disso, eles próprios consideram as suas visões, levitações e êxtases como acidentais. Um especialista na matéria diz-nos: “Se estivéssemos mais familiarizados com os mestres da Espiritualidade Cristã, seria menos provável que os jovens seguissem atrás de algum guru oriental para saciar a sua sede pelo espiritual” (Jacques Philippe).
Todos os crentes em Deus são chamados à santidade, isto é, a uma vida mística, que é uma união amorosa ascendente com Cristo. Lemos no Catecismo da Igreja Católica: “Deus chama-nos todos a esta íntima união com Ele, mesmo que graças especiais ou sinais extraordinários desta vida mística somente a alguns sejam concedidos, para manifestar o dom gratuito feito a todos” (CIC nº 2014).
A vida mística, portanto, significa simplesmente a união amorosa com Cristo, que é chamada de mística porque participa no mistério de Cristo por meio dos Sacramentos – “os santos mistérios” – e n’Ele, no mistério da Santíssima Trindade. Assim, para os discípulos de Jesus, santidade significa união amorosa e íntima com Deus Pai, por meio de Jesus Cristo – Deus-Homem – e no Espírito Santo.
Há dentro de cada pessoa humana uma procura clara ou obscura – misteriosa – de Deus, um desejo de divinização. Nas três religiões abraâmicas há um desejo de ser um com Deus, de experimentar Deus na vida diária. Para os seguidores de Cristo, experimentar Deus em Cristo implica necessariamente experimentar a presença do próximo, nosso irmão ou nossa irmã. São Tomás de Aquino, teólogo e místico, diz que o amor ao próximo pode ser superior à contemplação: “Portanto, trabalhar pela salvação do próximo mesmo à custa da contemplação, pois o amor ao próximo parece ser uma perfeição mais alta da caridade do que se ele se apegasse tão fortemente à doçura da contemplação a ponto de não se querer sacrificar até mesmo para a salvação de outros”. O Papa Francisco cita o Doutor Angélico: As obras mais nobres são as obras da misericórdia, “ainda mais do que os nossos actos de culto”; “a misericórdia é o coração pulsante do Evangelho”, e amar o próximo necessitado é a prioridade, a característica distintiva de todos os seguidores de Jesus, “o grande critério” de santidade também hoje.
Este amor especial ao próximo necessitado não é – não pode ser – oposto ao amor de Deus na oração e adoração. O Papa acrescenta: “Não acredito em santidade sem oração”. Verdadeiramente, “o primado pertence ao nosso relacionamento com Deus, mas não podemos esquecer que o último critério pelo qual a nossa vida será julgada é o que fizemos pelos outros” (Gaudete et Exultate).
A vida espiritual/mística leva-nos progressivamente a uma experiência mais profunda de Deus nas nossas vidas, a experimentar Deus em nós mesmos, nos outros, nos necessitados e pobres da terra, e também na criação de Deus. Com efeito, no nosso tempo sente-se especialmente a dimensão mística da Criação: a natureza é a nossa casa comum, permeada pelo poder e pela beleza de Deus. Diz-se de Santa Catarina de Sena (1347-1380) que o seu primeiro livro foi o Breviário “depois das estrelas e das flores” (Pérez de Urbel). Um místico da natureza, Jacob Boehme (1575-1624), escreve: “Não vais encontrar um livro melhor que te ajude a conhecer em profundidade a sabedoria divina do que um passeio por um prado verde: lá vais sentir o cheiro e o sabor da energia maravilhosa de Deus”.
Fechamos com os versos sublimes de São João da Cruz, no seu impressionante “Cântico Espiritual”:
Derramando mil graças, / Ele [Jesus] passou apressadamente por esses bosques; / E, olhando para eles, / Com a sua imagem só, / os vestiu de beleza.
Pe. Fausto Gomez, OP