Espiritualidade Cristã: os clássicos – 2
A espiritualidade cristã é a espiritualidade mística, a espiritualidade dos místicos à qual todos os cristãos são chamados. A vida mística é a participação na vida de Deus: a presença de Deus e experiência pessoal ou realização da vida divina, particularmente através das virtudes teologais da fé, da esperança, da caridade e dos Dons do Espírito Santo.
O caminho para uma união mais profunda de amor com Deus passa pela rejeição do pecado, em benefício da oração, principalmente discursiva e “faladora”, à mistura com alguma oração silenciosa dos principiantes (etapa purgativa); e através da aquisição e prática das virtudes e da oração menos discursiva e mais mental dos proficientes (etapa iluminativo); mais a união “conjugal” e a oração contemplativa e sem palavras do perfeito (etapa unitivo).
Jesus é o místico que melhor representa a experiência de Deus, enquanto união perfeita com Deus Pai no Espírito Santo. Jesus Cristo é o Filho de Deus encarnado que nos mostra o caminho da união progressiva com Deus como Pai.
Todos os santos e místicos seguem, imitam e identificam-se com Cristo. As suas vidas apontam sempre para Cristo. Os místicos experimentam Deus, a união amorosa com Cristo de maneira profunda, e partilham com os outros essa experiência (misticismo empírico). Os tesouros da espiritualidade cristã – ontem, hoje e sempre – são os verdadeiros textos espirituais clássicos. Os verdadeiros clássicos da espiritualidade cristã são aqueles “que resistiram à prova do tempo, transcendendo peculiaridades culturais”.
Trata-se de textos “duradouros e cativantes” (Peter John Cameron). Ao falar sobre diálogo social no contexto da liberdade religiosa, o Papa Francisco escreveu: “Os clássicos religiosos podem ser significativos em todas as épocas; eles têm o poder duradouro de abrir novos horizontes, estimular o pensamento, expandir a mente e o coração” (Evangelii Gaudium 256). “A leitura das obras dos místicos pode indubitavelmente ser útil a todos os fiéis que aspiram ao progresso espiritual” (Gustave Thils). Ao grande cientista Albert Einstein perguntaram, já perto do fim da sua vida, se sentia algum arrependimento. A sua resposta foi: “Eu gostaria de ter lido mais sobre os místicos no início da minha vida”.
Os clássicos da espiritualidade cristã são textos muito importantes para a leitura espiritual, que é uma ajuda fundamental para o crescimento espiritual de qualquer indivíduo. Qualquer pessoa interessada em espiritualidade e que deseja ver crescer a sua vida interior, leu ou lerá os clássicos. Entre estes, citamos os seguintes: “Sobre o Pai Nosso” por São Cipriano (200-258); “Vida de Santo António” por Santo Atanásio (295/297-373); “As Confissões de Santo Agostinho” (354-430); “Conferências” de John Cassian (360-435); “Sobre os graus de humildade e orgulho” por São Bernardo de Claraval (1090-1153).
“Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e os nossos corações estão inquietos até que encontrem descanso em Ti. – Deus nunca pede o impossível; Ele pede-nos para fazer o que podemos e rezar pelo que não podemos” (Santo Agostinho, “Confissões”).
Mas há mais títulos: “Visões” de Hildegard Bingen (1098-1179); “As Pequenas Flores” de São Francisco de Assis (Século XIII); “A Nuvem do Desconhecido” (autor inglês anónimo da segunda metade do Século XIV); “Revelações do Amor Divino” de Juliana de Norwich (1342-1416); “A Viagem da Alma a Deus” de São Boaventura (1217-1274); “Sobre a perfeição da vida espiritual” de São Tomás de Aquino (1225-1274); “O Diálogo” de Santa Catarina de Sena (1347-1380); “Comentários sobre o Evangelho de João” por Meister Eckhart (1260-1327), e “Imitação de Cristo” por Thomas de Kempis (1379-1471).
“Estar sem Jesus é um inferno doloroso; estar com Jesus, um doce paraíso. – Aquele que abraça Jesus permanecerá firme para sempre. – Ame todas as coisas por causa de Jesus, mas ame a Jesus por si mesmo” (Thomas de Kempis, “Imitação de Cristo”).
Continuemos: “Os Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loyola (1491-1556); “O Caminho da Perfeição” de Santa Teresa d’Ávila (1515-1582); “Cântico Espiritual” de São João da Cruz (1542-1591); “Introdução à Vida Devota” de São Francisco de Sales (1567-1622); “A Prática da Presença de Deus” do Irmão Lourenço da Ressurreição (1614-1691); “Verdadeira Devoção à Virgem Maria” de São Luís Maria Grignion de Montfort (1673-1716); “Abandono à Providência Divina” de Jean-Pierre de Caussade (1675-1751); “O Caminho do Peregrino” (peregrino russo anónimo do Século XIX); e “A história de uma alma” de Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897).
“A única linguagem que Deus ouve é a linguagem silenciosa do amor. – A alma que anda no amor não se cansa. – Coloque amor onde não há, e então colherá amor. – Quem não ama o próximo, abomina a Deus. – No entardecer da vida seremos examinados sobre o amor” (São João da Cruz, “Provérbios de Luz e Amor”).
Há depois alguns livros mais recentes, que são igualmente inspiradores: “Escritos Espirituais” de Charles de Foucauld (1858-1916); “O Homem Eterno” de G. K. Chesterton (1874-1936); “Escritos Essenciais” de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein, 1891-1942); “Diário de uma Alma” de São João XXIII (1881-1963); “O Caminho” de São Josemaría Escrivá (1902-1975), “O Regresso do Filho Pródigo” de Henri Nouwen (1932-1996); e “Venha, seja minha luz: Escritos particulares” de Santa Teresa de Calcutá (1910-1997), entre outros.
No que respeita aos santos, sempre que se lembram dos seus pecados, na realidade não se lembram dos pecados, mas da misericórdia de Deus. Logo, mesmo o mal é transformado pelos santos numa causa presente de alegria, servindo-se dela para glorificar a Deus (Thomas Merton, “The Seven Storey Mountain” – “A Montanha dos Sete Andares”).
O Concílio Vaticano II contribuiu bastante para uma mudança na teologia espiritual e mística, devido ao seu ensino inovador em relação às fontes da revelação, ao diálogo com o mundo, à necessária ligação entre a oração e o amor ao próximo, e ao afirmar inequivocamente que todos os cristãos são chamados a uma vida espiritual e vida mística, isto é: à Santidade!
O Senhor Jesus, o divino Mestre e Modelo de toda a perfeição, pregou a santidade da vida a cada um dos Seus discípulos, independentemente da situação em que se encontravam… Todos os fiéis de Cristo, detentores de qualquer categoria ou provenientes de qualquer condição, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade (Vaticano II, Lumen Gentium40).
Pe. Fausto Gomez, OP