Nestes últimos dias da Quaresma, viva como um grão de trigo!
«Em verdade, em verdade vos asseguro que se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer produzirá muito fruto» (Jo., 12, 24).
Cada palavra do Evangelho deste Quinto Domingo da Quaresma (Jo., 12, 20-33) está repleta de significado. Jesus veio a Jerusalém para a Festa da Páscoa, a festa em que o povo de Israel celebra a sua libertação da escravidão no Egipto. Mas desta vez é diferente: Jesus passará pela Sua própria Páscoa, pela derrota do mal e da morte, e pela Sua entrada numa vida ressuscitada.
Entre os que subiram a Jerusalém para a Páscoa, havia alguns gregos, provavelmente estrangeiros, que se converteram ao Judaísmo, formalmente ou informalmente. A menção ao facto de não serem israelitas aponta para a futura missão “ad gentes” da Igreja, chamada a testemunhar a cada pessoa o significado universal da morte e ressurreição de Cristo, no centro deste trecho do Evangelho.
O período da Quaresma é especial para os catecúmenos que concluem o seu caminho de preparação aos Sacramentos da iniciação cristã. Durante esta viagem, pediram à Igreja o mesmo que os gregos pediram a Filipe: «Senhor! Nós desejamos ver Jesus» (Jo., 12, 21). O Evangelho não relata qualquer encontro físico com o Senhor, provavelmente para evitar o risco de simplesmente satisfazer a curiosidade humana de ver um milagreiro. No entanto, as palavras de Jesus pretendiam guiá-los para um encontro mais profundo com Ele, para além do tempo e do espaço. Um encontro possível em todas as circunstâncias, por mais difíceis que sejam, especialmente no momento da nossa morte: «Em verdade, em verdade vos asseguro que se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanecerá ele só; mas se morrer produzirá muito fruto» (Jo., 12, 24). Ou, segundo outra tradução, permanece “só”. Podemos encontrar Jesus quando assumimos a Sua “lógica do grão” e fazemos da nossa vida um dom aos outros.
O grão de trigo é o próprio Cristo. Todas as traições, torturas, ridicularizações, açoites, pregos, perfurações – não esquecer a coroa de espinhos – que Jesus suportou na Sua paixão e morte não foram meros “acidentes”, em resultado da crueldade humana, ou simplesmente o preço a pagar pela expiação dos nossos pecados. A dor fez parte da “quebra” da semente da sua vida, para que os frutos da Graça de Deus enchessem o mundo inteiro.
A Quaresma recorda-nos que a nossa participação neste mistério, quer sejamos catecúmenos ou cristãos de longa data, segue o mesmo padrão. Parece assustador, mas na verdade é uma boa notícia. Significa que a nossa dor, as tragédias que enfrentamos na vida, os fracassos e frustrações, as lágrimas que derramamos na solidão, até mesmo a nossa própria morte, não são acontecimentos infelizes e sem sentido, ou pior, uma maldição. Em união com Cristo, na “lógica do grão”, tudo é parte do renascimento para a vida de Deus, cheio dos frutos que amadurecem nesse processo: misericórdia, perdão, compaixão e doação.
Lembro-me de uma amiga querida, Amy. Decidiu ingressar no Catecumenato e acabou baptizada, depois de saber que sofria de cancro. Esperava “ver Jesus” através de um milagre de cura, mas tal não aconteceu. Ao invés, aprendeu a experimentar a Sua presença amorosa na sua longa jornada de preparação para a morte, especialmente com a ajuda da sua madrinha e de alguns irmãos e irmãs de fé, que havia recentemente conhecido. Foram eles que dela tão bem cuidaram nos últimos momentos da sua vida.
O funeral foi a expressão visível do que diz o Catecismo da Igreja Católica: “A Igreja que, como mãe, trouxe sacramentalmente no seu seio o cristão durante a sua peregrinação terrena, acompanha-o no termo da sua caminhada para o entregar «nas mãos do Pai». E oferece ao Pai, em Cristo, o filho da sua graça, e depõe na terra, na esperança, o gérmen do corpo que há-de ressuscitar na glória” (CIC nº 1683).
«Quando eu for levantado da terra, atrairei todas as pessoas para mim» (Jo., 12, 32). Só por meio da lógica da doação, da “lógica do grão de trigo”, podemos realmente encontrar Jesus e experimentar a Sua presença em todos os acontecimentos da nossa vida, mesmo nos mais dolorosos. Só recorrendo à “lógica do grão de trigo” podemos reconhecer Cristo no Pão Eucarístico, onde Jesus encontra finalmente “os Gregos”: todas as pessoas de todas as idades e culturas reunidas na Igreja, família de Cristo Ressuscitado.
A Igreja é a colheita da Graça nascida do único grão de trigo que é Cristo, que deu a Sua carne pela vida neste mundo (Jo., 6, 51). Que esta colheita se torne mais abundante através das nossas acções de serviço, perdão, humildade e solidariedade, a realizar durante esta última semana da Quaresma.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ