Penitência, Misericórdia e Reconciliação – 2
A penitência implica o arrependimento dos nossos pecados e o retorno a Deus. A prática das três penitências clássicas da Quaresma, ou seja, a oração, o jejum e a esmola, pode ser significativamente útil na nossa peregrinação de contínua conversão.
A esmola, acto de misericórdia ou compaixão, está intimamente ligada ao perdão, outro acto da virtude da misericórdia. A misericórdia compreende não só a obra corporal, mas também a obra de misericórdia espiritual: a obra de misericórdia corporal implica partilhar com os necessitados o que se pode; e a obra espiritual de misericórdia implica perdoar aquele que nos ofende. Santo Isidoro de Sevilha (560-636) comenta: a primeira, que é o trabalho corporal da esmola, é praticada com os indigentes; e a segunda, que é a obra espiritual de perdoar os outros, é praticada com os pecadores. Assim, acrescenta, “sempre podereis dar alguma coisa: se não dinheiro, pelo menos perdão”.
As três penitências quaresmais fortalecem a virtude da penitência nos nossos corações arrependidos e conduzem-nos ao Sacramento da Penitência ou Reconciliação: “A vontade de receber o sacramento do perdão dos pecados” (K. Rahner), dos nossos pecados contra Deus e dos nossos vizinhos, ou seja, contra a Criação e o vizinho pobre.
Por meio da penitência e das penitências, depois para a conversão e a reconciliação, São Paulo pede-nos: «Em nome de Cristo, que vos reconcilieis com Deus» (2 Cor., 5, 20). Todos os cristãos são obrigados a aproximar-se do Sacramento da Reconciliação, pelo menos uma vez por ano: “obrigados” pelo amor misericordioso de Deus e pela Mãe Igreja. Somos convidados pela Mãe Igreja a nos confessarmos de vez em quando, especialmente durante o Advento e a Quaresma. O Papa Francisco vem-nos ajudando a recuperar o lugar central do Sacramento da Reconciliação na vida cristã (Misericordia et Misera, 20 de Novembro de 2016). Que maravilha: no Sacramento da Penitência “descobre-se a misericórdia de Deus e tornamo-nos misericordiosos” (T. Merton). Como é bonito ouvir Cristo na pessoa do sacerdote, dizer-nos: “Eu te absolvo dos teus pecados”.
Aproximar-nos adequadamente do Sacramento da Reconciliação levar-nos-á a celebrar com mais devoção a Sagrada Eucaristia, a ouvir com mais atenção a Palavra de Deus, a receber a Sagrada Comunhão com humildade e a oferecer-nos como sacrifício pela salvação do mundo.
No início da Quaresma, costumo comprometer-me com “determinado objectivo”, e honestamente esforço-me por cumpri-lo. Fraternalmente, convido-vos a se comprometerem, com afinco, com uma só resolução pessoal que seja. Resoluções firmes são espiritualmente úteis.
Como pretendo cumprir com a minha resolução, tendo em conta as três penitências tradicionais? Quanto à oração, tentarei seriamente rezar melhor com a minha comunidade, mas também sozinho: com mais atenção e com mais devoção. A sós com Deus, meditarei sobre a minha vida, a minha vocação, a minha esperança; no facto como a Quarta-Feira de Cinzas nos lembrou: “Tu és pó e ao pó voltarás”. Já em relação ao jejum, tentarei mortificar os meus sentidos, não perder o meu tempo, não usar em demasia a Internet (“jejum electrónico”) e tentarei viver um estilo de vida simples, comer e beber menos, e dar o que economizo aos pobres. Além disso, cumprirei fielmente as normas simples sobre o jejum e a abstinência – e espero, um pouco mais! Quanto à esmola, distribuirei uma percentagem da minha mesada pelos pobres que se encontram ao meu redor. E vou perdoar (e esquecer) de forma mais radical as ofensas dos outros – e pedir-lhes perdão. E – muitíssimo importante – pedirei perdão a Deus pelos meus pecados.
Lembro-me do conselho do profeta: «Portanto, ó querido rei, aceita o meu conselho: Reconhece os teus pecados, abandona a maldade e passa a praticar a justiça e a exercer compaixão pelos carentes e necessitados. Talvez, assim, de facto, continues a viver em paz e tranquilidade!» (Daniel, 4, 27). O Senhor continua a dirigir-se a mim, com recurso ao profeta Isaías, apontando o tipo de penitência que quer que eu pratique: Deus quer «um jejum que te liberte das amarras da malignidade e da injustiça; que desfaças as ataduras da opressão, que ponhas em liberdade os oprimidos, e que despedaces todo o jugo? Ora, não é partilhar o teu alimento com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu e sem tecto que encontraste e não recusar tua ajuda ao próximo?» (Is., 58, 6-7). Recordamos a parábola do rico e do pobre Lázaro (cf. Lc., 16, 19-31), e a parábola do juízo final (cf. Mt., 25, 31-46).
Mas serei, efectivamente, capaz de cumprir as minha(s) resolução(ões)? Certamente tentarei, mas conhecendo as minhas fraquezas, talvez não seja capaz de tudo realizar. Claro que Deus não falhará comigo – ou com o leitor.
O tempo da Quaresma é uma peregrinação à Páscoa. É uma peregrinação à conversão através da penitência e das penitências. A Quaresma leva-nos à Páscoa através da celebração da incrível paixão, morte e ressurreição de Cristo: da Sexta-feira Santa ao Domingo de Páscoa. Ao longo da Quaresma – ao longo da vida – não nos esquecemos que somos pascais e o Aleluia é o nosso cântico!
Mesmo a concluir, recomendo vivamente a devoção quaresmal da Via Sacra. Gosto muito de rezar a Visa-Sacra com a minha comunidade religiosa; é sempre tão inspirador e comovente. Neste contexto, deixem-me ainda compartilhar convosco uma história encantadora – a história de duas estudantes em Manila: uma, católica filipina; a outra, budista chinesa. Um dia, após o Ano Novo Lunar, visitaram juntas um templo budista e uma igreja católica, em Binondo. Depois de visitar o templo budista, seguiram para a vizinha igreja de Quiapo, a igreja do popular Cristo Nazareno. Perto da entrada da igreja, há um enorme crucifixo. A estudante chinesa perguntou: «–Quem é este?». A estudante católica respondeu: «–Jesus Cristo; Ele morreu por nós». Ao saírem da emblemática igreja, a aluna budista perguntou à católica: «–O que disseste? Que Ele morreu por ti?». «–Sim, foi isso que ele fez».
Neste contexto, interrogo-me: O que eu fiz pelo Senhor crucificado e ressuscitado? A Quaresma é um bom momento para que enfrente mais uma vez a pergunta: O que eu – e o leitor – estamos a fazer por Jesus neste preciso momento?
Que o Senhor Crucificado e Ressuscitado, que acompanharemos na Quaresma, e especialmente na Semana Santa, nos leve a imitar de modo mais profundo a sua vida orante e compassiva, a sua humildade amorosa e o seu estilo de vida simples!
Pe. Fausto Gomez, OP
LEGENDA: Compianto sul Cristo morto(Giotto di Bondone)