Quando paramos de sonhar

Perdendo a Esperança

O treinador americano Terry Laughlin, que desenvolveu o método de ensino de natação Total Immersion, (Imersão Total), que ensina a nadar fácil e eficientemente, acredita que em princípio cada um pode e deve tentar melhorar sempre. De cada vez que entra na água, ele pergunta a si próprio: “Em que aspecto poderei melhorar a minha braçada, hoje?” Qualquer um que não pense assim acaba por cair no que ele chama de “mediocridade terminal”.

O mesmo pode acontecer com a vida espiritual. Dizemos: “Oh, estou bem, estou satisfeito com o que sou”, e assim deixo-me escorregar para um desleixo espiritual, caiu na “mediocridade terminal”. O homem medíocre é aquele que deixou de sonhar. É aquele indivíduo que se desinteressou de tudo, que abandonou qualquer tipo de esperança.

Jesus avisou sempre os seus apóstolos para estarem vigilantes, nunca descansarem sobre o que já conseguiram no passado, mas que devem ter sempre objectivos maiores. De outra forma, tornar-se-iam medíocres e eventualmente sucumbiriam ao mal, que «espreita como um leão rugidor, em busca de alguém para devorar (Pedro 5:8)».

Usando a história da negação de Pedro, o arcebispo D. Fulton Sheen explicou os passos que levam à mediocridade e à apatia, sintomas de decadência espiritual. Deixem-me descrevê-los brevemente.

EXCESSIVA AUTO-CONFIANÇA – Quando Jesus antecipou que os seus apóstolos o abandonariam assim que fosse preso, Pedro jurou: «“Mesmo que todos percam a coragem com relação a Ti, eu nunca perderei a minha, nunca Vos trairei, mesmo que tenha que dar a minha vida por Ti”. E todos os restantes discípulos disseram algo parecido (Mateus 26: 33, 35)». Não estamos nós – e eu – a fazer continuamente as mesmas promessas vazias?

Por isso o Papa Francisco lembrou-nos a triste realidade: «Todos somos pecadores sob tentação, e a tentação é o pão nosso de cada dia», disse, a 31 de Janeiro de 2014. E acrescentou: «Se algum de nós disser “nunca sofri uma tentação”, ou é um Querubin (um Anjo) ou um pouco estúpido, não?».

Dois meses antes, a 20 de Novembro de 2013, já tinha referido o seguinte: «Os padres também necessitam de se confessarem, e mesmo os bispos. Todos somos pecadores. Mesmo o Papa vai confessar-se de duas em duas semanas, porque o Papa também é um pecador», disse. «O meu confessor ouve o que eu digo, dá-me conselhos e perdoa-me. Todos precisamos disto». Num “post” do seu Tweet, a 18 de Fevereiro deste ano, o Papa escreveu: «Senhor concedei-nos a Graça de sabermos que somos pecadores».

Quando foi a última vez que admiti ser um pecador e pedi perdão?

DEIXANDO DE REZAR – Jesus disse aos seus apóstolos que rezassem com Ele. Mas mal tinha começado quando «olhou para os seus discípulos, e verificou que tinham adormecido (Mateus 26:40)».

Pergunto: acreditais vós nas palavra do Senhor de que «cada um deve rezar sempre e não perder a fé (Lucas 18:1)».

Terei um encontro regular com o meu Senhor, em cada dia, ou espero que os problemas se avolumem antes de me ajoelhar? Invento facilmente desculpas para adiar ou cancelar o meu encontro com Ele? Apenas Lhe peço o que quero Dele, ou alguma vez Lhe perguntei o que Ele deseja de mim? Sou só eu que falo, ou deixo-O falar comigo? Alguma vez Lhe agradeci pelo que me proporcionou, pelas pessoas que Ele colocou à minha volta? Partilho as minhas alegrias com Ele? Alguma vez Lhe agradeci? Rezo-Lhe com o coração aberto e sincero?

CONFIO APENAS NAS “COISAS” MUNDANAS – «Um dos que estava com Jesus (no momento da sua prisão) puxou de uma espada e decepou a orelha de um dos servos do Sumo Sacerdote (Mateus 26:51)». A nossa alma está em grande perigo quando temos sucesso nos nossos projectos humanos e pensamos que com isso somos “super-homens”.

Na sua mensagem da Quaresma para este ano, o Papa Francisco falou sobre «a tentação diabólica de pensarmos que com apenas os nossos esforços humanos poderemos salvar o Mundo e a nós próprios».

Falando por intermédio de João, Deus disse: «Sei como vós pensais: nunca frio ou quente. Deveriam (no entanto) ser frio ou quente. Assim, e porque apenas são mornos, e nunca frio ou quente, Eu afastar-vos-ei da minha boca. Por dizerem: sou rico, prosperei, e não preciso de nada, sem saberem como são miseráveis, patéticos, pobres, cegos e nus (Revelação 3:15-17)».

NÃO NOS ENVOLVENDO DEMAIS – «Pedro segui-O a grande distância… (Mateus 26:58)». O paradoxo da pessoa “apenas morna” é que quer salvar a sua alma, mas sem querer envolver-se totalmente. Contenta-se com meias medidas. Não quer ser condenado mas, no entanto, não está disposto a pagar o preço da sua salvação. Fica-se pelo mínimo possível, e com isso nunca aprende a Amar. S. João da Cruz dizia: «No entardecer da nossa vida, deveremos ser julgados pelo Amor».

Tornamo-nos espiritualmente medíocres quando tentamos evitar os pecados graves, mas não nos arrependemos dos pecados leves (venais).

Santa Teresa de Ávila avisa-nos: «Temam sempre que não se sintam arrependidos pelas faltas cometidas, porque mesmo os pecados venais deveriam encher-vos de arrependimento até ao fundo das vossas almas. Pelo amor de Deus, não cometam, deliberadamente, pecados venais, mesmo os mais pequenos».

PROCURANDO CONFORTO MUNDANO – «Estava frio, e os servos e oficiais fizeram uma fogueira de carvão e ficaram ali próximo, aquecendo-se. Então Pedro também se aproximou, aquecendo-se como os restantes (João 18:18)».

Quando alguém se afasta do calor do Amor de Deus, junta-se a outras formas de calor. A tecnologia fornece-nos formas de conforto que nunca tivéramos antes. Mas temos que nos acautelar para que os confortos não se tornem em vícios. «Temos que dar ao corpo um pouco menos que o que ele necessita. Doutra forma ele trair-nos-á. (S. Josemaria Escrivá, O Caminho, 1960)». «Depois de Judas ter feito amizade com os inimigos do seu Mestre, traiu-O (Lucas 22:6)».

ENTÃO O QUE FAZER? – E então o que teremos de fazer para não sucumbirmos a esta doença terminal? Precisamos de conseguir a atenção de Deus durante a oração, olhá-Lo nos olhos e a partir daí – com a Sua graça – elevarmo-nos a nós próprios.

Deixem-me relembrar a cena que se seguiu às três vezes em que Pedro negou Jesus. «E o Senhor virou-se e olhou para Pedro. E Pedro lembrou-se do que o Senhor lhe dissera… e Pedro fugiu, e chorou amargamente (Lucas 22:61)».

Pe. José Mario Mandía

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