Não há muito tempo (algumas semanas, para ser mais correcto) a Troika acusava-nos de não estarmos a cumprir os pressupostos do Memorando de Entendimento, ao ser aumentado o salário mínimo nacional em uns ridículos tostões, para já não falar das críticas que lhes mereceram as previsões económicas de Inverno feitas pelo Governo.
Na semana passada, no dia em que as instituições europeias encostaram a Grécia à parede, naquilo que foi considerado um ultimato, Portugal foi elogiado pelo presidente do Eurogrupo, pelo ministro das Finanças alemão e pela directora do FMI como um país se consegue rapidamente voltar a pôr de pé. Além disso, e para que a moldura dourada ficasse mais completa, Maria Luís, a nossa ministra das Finanças, foi convidada pelo seu homólogo alemão a ir a Berlim, para mostrar aos alemães e ao resto dos europeus e do mundo como os portugueses e os alemães estão unidos nesta cruzada contra os infiéis gregos, que não querem seguir o bom exemplo dos portugueses.
No espaço de poucas semanas, os portugueses, antes acusados pelos “media” alemães de trabalharem poucas horas (mas mais do que os alemães), de terem muitos feriados (mas menos do que os alemães), de terem salários e pensões elevadas (mas muito inferiores aos dos alemães) e de passarem o tempo nas praias (que se enchem de alemães no Verão), passaram de bestas a bestiais.
Quando aqui há uns dias o actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, veio a público declarar que pecámos contra a dignidade dos cidadãos da Grécia, de Portugal e muitas vezes da Irlanda também, e de que as instituições europeias têm de aprender as lições do passado e não repetir os mesmos erros, toda a gente pensou: até que enfim, haja alguém com peso nas decisões, que assuma os erros cometidos pela Troika em relação a nós e não volte a cometê-los no caso grego!
Mas, após estas declarações de Juncker, curiosamente, o nosso ministro português da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, veio a público afirmar que as declarações de Juncker foram infelizes (!?). Ao mesmo tempo e contraditoriamente, o vice-Primeiro-Ministro Paulo Portas, referindo-se a essas declarações, considerou que sempre disse a mesma coisa (!?!?).
Bem certo que Juncker, ao dizer o que disse, também afirmou que pelo facto de antes ter desempenhado o lugar de presidente do Eurogrupo as suas declarações podiam parecer estúpidas, mas não me parece ter assumido que o que agora disse tenha sido uma “besteira”.
Assim, após esta polémica, ficámos todos bastante confusos por não percebermos concretamente quem são as bestas e quem são os bestiais.
É evidente que o caso grego, a resolver-se ou não a bem das partes, tem provocado ondas de choque no sistema político europeu, ao qual Portugal e os seus políticos não escapam. Mas parece que, face à proximidade das eleições legislativas portuguesas e considerando o insucesso da austeridade na resolução dos nossos problemas da dívida, os nossos governantes andam de cabeça perdida para justificar, segundo o ministro das Finanças alemão, o nosso sucesso.
No caso dos gregos conseguirem melhores condições na aplicação da extensão do seu programa de apoio financeiro será que quem sempre defendeu que a austeridade que nos foi aplicada, custe o que custar, é a melhor solução para os nossos problemas económicos, ou no caso da Grécia obter condições mais vantajosas vão exigir que se apliquem também a Portugal?
Alguns membros do Governo Português, pela forma como atacam as pretensões gregas e com receio de dar o dito por não dito tão perto das eleições, parece-me que recusarão. Digo: parece-me, porque já vi tanta coisa que já nada é absurdo.
Mas outros, talvez porque não acreditam na vitória eleitoral, parecem dispostos a exigir as melhores condições que, porventura, a Grécia obtenha. Como é o caso do nosso ministro dos Negócios Estrangeiros que, segundo ele e nesse caso, Portugal teria direito a reparações.
Perante tanta confusão destas ginásticas narrativas entre bestas e bestiais, só me resta desejar que um dia, na procura de obter alguns benefícios na compra de petróleo, ninguém do Governo venha a afirmar que a terra não anda à volta do Sol porque, na verdade, está parada, tal como afirmou recentemente o líder religioso saudita Bandar al-Khaibari.
Se isso acontecer não terei dúvidas em saber onde está a besta!
Luis Barreira