Professor Carvalho Rodrigues

Entre a religião e a ciência.

O professor Carvalho Rodrigues, conhecido entre nós como “o pai do satélite português”, é católico porque a avó o ensinou a ser. Para ele, o facto de querermos estar uns com os outros é a maior evidência da religiosidade do homem.

«A gente muda todos os dias de átomos. Aos 4 anos e aos 104 nenhum dos átomos é o mesmo, e, no entanto, aquilo que a gente chama a nós mesmos, é o mesmo», diz.

Ao contrário do que se possa pensar, o facto de ser um cientista aproxima-o de Deus, na medida em que existe ciência no mundo porque acreditamos em magia. Acontece algo e sabemos que há uma razão por detrás que explica o fenómeno e é isso que vamos à procura. «Se eu descobrir essa magia sou capaz de controlar a natureza, fazer coisas que ela não quer ou prever o que ela vai fazer. Esse abracadabra de facto existe e dá-se pelo nome de matemática», resume.

A verdade é que a vasta maioria da vida é feita a adivinhar. Só uma pequena fracção é que é provável. E o provável não é coisa do acaso. É a medida que concerta, de que eu estou certo que algo vai acontecer. E este provável é obtido por combinação de argumentos. E cada argumento entra num peso para a probabilidade. Confuso? O professor explica: «Quando é possível matematizar um dos argumentos da vida, podemos dizer que temos mais certezas, mas quantos desses argumentos é possível matematizar? Uma parcela ínfima. De modo que essa coisa da ciência trouxe-nos, é verdade, imensos benefícios, mas continua a ser muitíssimo limitada».

No fundo, a certeza em Deus parte da incerteza de tudo o resto, e essa é a compreensão, nada sofisticada, que temos do mundo. No caso da ciência, dado que aprendemos a linguagem matemática de algumas coisas, pode dizer-se que evoluímos: vivemos mais anos, temos melhor qualidade de vida, sabemos como preservar a saúde colectivamente, etc., mas fora disso a vasta maioria da vida é feita a adivinhar. E mais, como diz o professor, «é feita de graça. Nenhum de nós custou dinheiro para vir ao mundo».

A convocação da alma, que é título e tema de uma das mais referenciadas obras de Carvalho Rodrigues, é o mecanismo que temos para enfrentar a mudança, o desconhecido. E o professor dá um exemplo: «Neste momento estamos a andar a onze mil seiscentos quilómetros por segundo porque fazemos parte de uma galáxia. Aliás, uma pessoa com 60 anos andou, viajou no espaço três anos-luz. A humanidade já viajou neste planeta 14 mil e quinhentos anos-luz, e ainda há quem diga essas tontices que as viagens inter-espaciais são impossíveis… A velocidade vê-se, constata-se. Quanto à aceleração, ela sente-se no corpo todo. E perante as variações bruscas da aceleração, a gente convoca a alma. É este o mecanismo. A alma existe porque dos 4 aos 104 a gente chama-se permanentemente o mesmo mas a matéria mudou toda. E se assim é, algo mais tem de haver capaz de explicar o facto de nós nos continuarmos a chamar o mesmo». Esse algo, é Deus.

Durante anos, Carvalho Rodrigues desempenhou, nas instalações da NATO, em Bruxelas, o cargo de director do programa “Novas Ameaças e Desafios”, cuja função é, na própria definição do professor, «tentar perceber como é que o mundo funciona no que diz respeito a conflitos e à sua despoletagem em termos estratégicos. Trata-se de entender, clarificar a realidade do que se passa de facto na mente e no colectivo dos humanos. E são coisas muito simples».

O cientista considera uma vantagem trabalhar com os norte-americanos pois eles, ao contrário dos europeus, «vêem as pessoas, não querem saber se são pobres ou se são ricas». Para Carvalho Rodrigues o grande segredo da coesão dos Estados Unidos é o equilíbrio de forças. E exemplifica: «O pequeno Estado de Delaware tem dois senadores, tantos quais o Texas que é imenso. No Congresso, em termos políticos têm exactamente o mesmo peso. E se perguntarem a um norte-americano quais são os Estados hegemónicos do seu país, ele não sabe responder, enquanto um cidadão europeu, confrontado com a mesma questão, vem logo com o eixo Paris-Berlim…».

O Médio Oriente, hoje como há décadas, e o facto é consensual, continua a ser a mais melindrosa situação da geopolítica mundial. A esse respeito o professor Carvalho Rodrigues lembra-nos que «estrategicamente o conflito com os elementos radicais do Islão tem quase um século, e acontece em todo o lado. Ninguém está imune a essa gente. Não se trata aqui de um conflito de civilizações, antes um conflito teológico. E se há Estados que acolhem e fomentam radicalismos destes a gente tem de ir lá ver como é». Porque hoje o lá além não existe, já que estamos a 20 horas de qualquer ponto do planeta. E é por isso que o Papa mantém vivo o apelo aos católicos, pois não tem outra alternativa. E não interessa que esse apelo chegue a milhões de pessoas, tão-só a quem verdadeiramente seja crente.

Quanto à Rússia de Putin não vê propriamente como uma ameaça, até porque «entre o Ocidente a Rússia existe uma longa tradição de política de dissuasão». A problemática, segundo ele, reside nos outros países recém-chegados ao clube nuclear, «pois não fizeram essa aprendizagem de convivência de uns com os outros e podem ter a tentação de carregar no botão antes de a aprenderem, o que é fundamental para a manutenção da paz a nível mundial».

JOAQUIM MAGALHÃES DE CASTRO

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