Uma Singha na Praia de Mira
Até Agosto do ano passado tínhamos toda a nossa energia focada em realizar um sonho: dar a volta ao mundo de veleiro, visitando todos os países e territórios lusófonos. No entanto, em meia-dúzia de dias, a vida deu meia-volta e trocou-nos o passo.
O que bastou foi a descoberta de um problema de saúde na minha esposa. No prazo de uma semana, tirámos o veleiro da água, fizemos as malas e tratámos de mudar a nossa vida para Portugal, nunca esquecendo, claro, o nosso companheiro de quatro patas que nos acompanha, juntamente com a nossa filha. Foram três anos inesquecíveis a viver uma vida saudável sobre a água, que não trocaremos por nada deste mundo.
A 19 de Setembro estávamos em Portugal e em Outubro a minha esposa começou os tratamentos que a levaram a uma intervenção cirúrgica em Maio deste ano. Graças a Deus tudo está a evoluir de forma favorável e, se assim se mantiver, a viagem à volta do mundo será retomada logo que o médico der “luz verde”.
Contudo, uma pausa tão prolongada tem os seus aspectos negativos a nível psicológico e monetário. Não sendo rico e nunca tendo tido qualquer apoio da parte de Macau ou de qualquer instituição, a nossa viagem foi avançando de acordo com o orçamento. Agora em terra, num mesmo local há mais de seis meses, sentimos a necessidade de fazer algo que nos mantivesse ocupados, tanto fisicamente como mentalmente, agora que a fase do tratamento entrou num estágio mais estável.
Estando 24 horas disponível para a minha esposa, tive de pensar em algo que ela gostasse de fazer e que nos mantivesse juntos a maior parte do tempo, sem que tivesse de se esforçar muito. Cozinhar foi a primeira ideia que nos veio à cabeça mas, nómadas como somos, precisávamos de algo que nos permitisse – caso quiséssemos – andar de um lado para o outro. Tendo em conta que passámos três anos no veleiro e que logo após chegarmos a Portugal adquirimos uma autocaravana, não queríamos nada que nos prendesse muito.
A minha esposa, desde sempre, é uma exímia cozinheira. Sendo tailandesa, não foi muito difícil adivinhar que iríamos oferecer pratos do antigo Sião. Existem actualmente meia-dúzia de restaurantes tailandeses em Portugal, na sua maioria a servir o mesmo tipo de pratos. Como pretendíamos algo diferente, apostámos em criar a primeira carrinha de comida (food truck) tailandesa em Portugal. Na Internet encontrámos uma em Espanha, duas ou três em França, dezenas em Inglaterra e meia-dúzia na Holanda e Bélgica. Em Portugal, o primeiro país ocidental a contactar com o Sião, nada existia.
Metemos mãos à obra e, depois de muita burocracia e um avultado investimento, surgiu o “Dee Thai Food Truck”. Como para se exercer venda ambulante tem de se obter uma licença prévia dos municípios (lá se vai o conceito de venda ambulante e itinerante!), vimo-nos na obrigação de concorrer à adjudicação de um local de venda numa das praias mais frequentadas do Centro de Portugal. A escolha recaiu na Praia de Mira, de onde sou natural, mas não apenas por esse pormenor… Teve também como base a proximidade com Coimbra, onde decorrem os tratamentos a que a minha esposa está a ser submetida.
Depois de todos os pormenores tratados e as mil e uma licenças obtidas, chegou o momento de escolher o menu e de decidir como seria feita a promoção de um negócio completamente novo em Portugal. Querendo fugir às ofertas de caril verde, vermelho e amarelo, que todos os restaurantes tailandeses fora da Tailândia oferecem, e também da Tom Yam Kung, Talay, etc., dos arrozes fritos ou da famosa Pad Thai, focámos a nossa pesquisa na comida de rua, que se come na beira da estrada de qualquer aldeia ou cidade da Tailândia e que, muitas vezes, os turistas acabam por não experimentar porque passam muito tempo nos hotéis ou nos resorts à beira mar.
Escolhemos refeições fáceis de comer e de transportar para casa ou para a praia, servidas numa caixa de papel que pode ir ao micro-ondas. Apenas damos colher e garfo (não disponibilizamos facas pois os tailandeses raramente usam faca para comer). O objectivo é tentarmos recriar uma experiência o mais aproximada do original. Mais de oitenta por cento dos produtos que usamos são importados da Tailândia, incluindo o famoso chá tailandês que servimos com e sem leite (somos provavelmente o único “spot” em Portugal que serve este chá, até porque já visitámos todos os restaurantes tailandeses de Portugal e nunca o encontrámos). Tudo isto encarece o produto mas não queremos um food truck de comida tailandesa que nada tenha a ver com a Tailândia.
O negócio é novo e a aceitação tem sido boa. Como em qualquer coisa que seja diferente, o povo português tem alguma relutância em experimentar. Quem se “aventura” acaba por regressar, mostrando até interesse em saborear outros pratos. Devido ao reduzido espaço da carrinha, não nos é possível oferecer mais do que três especialidades – todas levam arroz, podendo ser acompanhado com omolete, frango grelhado ou gengibre. Para beber temos o referido chá, o xarope de sala e a famosa cerveja Singha.
Por sabermos que iria haver alguma resistência aos preços, decidimos apostar em preços muito baixos, pelo que os nossos pratos custam apenas cinco euros – mais baratos do que os pratos de comida portuguesa.
A experiência até agora tem sido positiva, se bem que ainda falta percorrer um longo caminho até que seja financeiramente rentável. Acreditamos que tal seja possível com a chegada do Verão e com um maior conhecimento da nossa marca.
Depois do Verão, e sempre que as oportunidades surjam, iremos participar em festivais e outros eventos que possam ajudar a manter o negócio durante os meses de Inverno.
Estamos na Praia de Mira, no distrito de Coimbra. Se vierem para estes lados, aproveitem para passar por cá e provar a nossa comida. E ao mesmo tempo colocar em dia as conversas sobre Macau.
A viagem à volta do mundo será retomada logo que possível, ficando o food truck reservado para os Verões. Se desejarem seguir-nos, façam “gosto” na página do Facebook – DeeThaiFoodTruck.
JOÃO SANTOS GOMES