A aposta no ensino da língua de Camões
O Instituto Politécnico de Macau (IPM) foi fundado em 1991, resultante de uma parte da antiga Universidade Oriental adquirida pela administração portuguesa de então. Essa instituição de ensino privado seria dividida em três. Duas delas têm hoje um carácter público – a Universidade de Macau e o IPM –, quanto à terceira, Open University of Macau, manteve o cariz privado. Desde então o IPM tem-se desenvolvido de uma forma muito eficaz, encontrando-se actualmente dividido em sete unidades académicas: Escola de Administração Pública, Escola Superior de Saúde, Escola de Educação Física e Desporto, Escola de Ciências Empresariais, Escola Superior de Artes, Academia para o Cidadão Sénior e, finalmente, Escola de Línguas e Tradução, que é a mais antiga. De facto, antes de ser integrada no Instituto Politécnico essa escola tinha já um historial com mais de um século. É, na realidade, uma das mais antigas escolas de estilo europeu existentes na China.
A Escola de Ciências Empresariais, com mais de setecentos alunos, continua a ser, sem dúvida, a mais requisitada. Segue-se a Escola de Administração Pública. Os alunos podem ser divididos em dois tipos: os que frequentam os cursos consoante os graus de bacharelato e licenciatura, e os que frequentam os cursos de curta duração.
Presidente do Instituto Politécnico de Macau desde 1999, Lei Heong Iok ouviu pela primeira vez falar de Portugal nos bancos da escola primária. «Um país longínquo onde se comunicava com uma língua esquisita», diz. Um país ao qual, necessariamente, Macau se encontrava associado. Lei Heong Iok não imaginava então que passadas quatro décadas consideraria sua, e da sua responsabilidade, a transmissão da Língua e Cultura portuguesa aos chineses seus compatriotas. O professor continua a ser hoje um indefectível defensor do idioma de Camões.
Para Lei Heong Iok, «a singularidade mais importante» de Macau é a Língua Portuguesa – «ninguém pode negar isso» – daí o seu particular empenho na Escola de Línguas e Tradução e está convicto que a idioma luso continuará a ser no futuro característica diferenciadora da RAEM. «Neste processo de manutenção o IPM tem desempenhado um papel de relevante importância», afirma.
De resto, o ensino do Português tem sido uma das suas grandes preocupações. Já antes da transferência da soberania, «devido à importância do Inglês e à emergência de algum xenofobismo», o número de candidatos para o curso de Português vinha diminuindo de forma significativa. Ao ser nomeado presidente redobraria, por isso, a sua preocupação. Tratou logo de definir uma estratégia a seguir. Estratégia essa que passava por «uma abertura de Macau ao grande mercado da China». Para que Macau fosse «essa grande ponte de comunicação entre Portugal e China», indispensável se tornava o uso da Língua Portuguesa. Seguindo essa filosofia o IPM entrou no Continente, começando por recrutar estudantes, havendo que, para isso, assinar diversos protocolos de cooperação. Lei Heong Iok tirou de imediato partido da abertura de um curso de Português na Universidade de Radiodifusão de Pequim. «Foi um curso muito requisitado: para trinta lugares candidataram-se três mil jovens», acentua. Ele próprio visitou a universidade e rubricou o protocolo que se impunha. Desde então, anualmente, a Universidade de Radiodifusão de Pequim “arranja” uma turma de estudantes destinados a Macau. É denominada “a turma de Macau”. Para além dessa turma, a universidade envia uma outra mais avançada, de alunos do terceiro ano, «pois sabem que temos muitos e bem qualificados professores». Assim, anualmente, só da Universidade de Radiodifusão de Pequim, Macau recebe várias dezenas de alunos. Dessa forma se resolveu o problema da falta de candidatos.
Outra das prioridades do IPM foi, desde o início, a qualidade do ensino. Assim, foram efectuadas, logo em 2002, visitas à Universidade Clássica de Lisboa e à Universidade de Aveiro, durante as quais ficou assente que ambas essas instituições apoiariam o IPM enviando para Macau professores de Português e materiais de ensino. O professor Lei Heong Iok destaca ainda o papel do Instituto Camões, «indispensável na criação desta rede de manutenção do ensino e investigação de Língua e Cultura portuguesa».
Entre os muitos protocolos de cooperação assinados com instituições de ensino chinesas resultou o estabelecimento em Pequim de um Centro de Estudos e Investigação de Língua e Cultura Portuguesa. Para que este se pudesse consolidar foram endereçados ao longo dos tempos vários ofícios a alguns departamentos do Governo de Macau – Instituto Cultural, SAFT, Serviços de Turismo e Serviços de Educação – convidando-os a oferecerem publicações que constituem hoje o espólio de uma biblioteca em Pequim. «Este centro é de um extrema importância pois constitui uma base de apoio à investigação e estudo da Língua e Cultura portuguesa junto dos estudantes chineses», explica.
Aquando uma deslocação do professor Lei Heong Iok ao Arquivo Histórico da China (sedeado na Cidade Proibida) os seus responsáveis mostraram-lhe alguns documentos escritos em Português que estão por analisar por falta de investigadores que dominem o idioma. «Entre esses manuscritos vi uma carta original escrita pelo D. José ao imperador da China», revela.
A estratégia de divulgação da língua passa também pela cultura, por exemplo, através da criação do Centro de Estudos de Cultura Oriente Ocidente, cuja essência era luso-chinesa. Os professores que aí trabalharam investigaram em diversas áreas, nomeadamente sobre as actividades missionárias – por parte de jesuítas, dominicanos, entre outros – desde a chegada dos primeiros portugueses à China. Para divulgar as conclusões do trabalho desses investigadores o IPM contou com uma revista denominada “Encontro de Cultura Oriente Ocidente” que era enviada às universidades portugueses. «Essa e uma outra revista onde se publicava poesia de autores portugueses, chineses e de outras nacionalidades», conclui Lei Heong Iok.
Joaquim Magalhães de Castro