Construiríeis vós uma arca durante o Advento?

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO – Ano A – 27 de Novembro

Construiríeis vós uma arca durante o Advento?

Iniciamos o Advento deste ano com Jesus a lembrar-nos da história do Dilúvio e da Arca de Noé retirada do Génesis. O medo das inundações está profundamente enraizado na nossa psique colectiva, tanto que em muitas culturas há antigas histórias mitológicas sobre uma inundação catastrófica, geralmente descrita como uma punição dos deuses. Nos últimos anos, o medo de inundações ressurgiu devido ao clima extremo causado pelas mudanças climáticas. Mais do que Deus, devemos culpar o nosso estilo de vida que está a afectar todo o ecossistema e a frágil atmosfera do planeta.

«Como foi nos dias de Noé, assim será na vinda do Filho do Homem», adverte Jesus no Evangelho deste Domingo (Mt., 24, 37-44). «Naqueles dias antes do dilúvio, comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca. Eles não sabiam até que veio o dilúvio e os levou a todos». O forte convite de Jesus a “vigiar” e “estar preparado” é bastante apropriado para os nossos tempos cheios de incertezas. Às vezes, agimos como se, diante dos muitos problemas que afectam a Humanidade, estivéssemos todos em estado de negação.

As palavras de Jesus, no entanto, não são sobre o medo, mas sobre a esperança. O Dilúvio no Génesis não é sobre um fim, mas sobre um “novo começo”, baseado na promessa de Deus de não recorrer à violência para lidar com a maldade humana. A Arca de Noé é o símbolo da possibilidade de recomeço que Deus oferece a todos aqueles que o desejarem. É o lugar seguro onde a vida é protegida e preservada, apesar de todo o mal que a ameaça.

Da mesma forma, o Advento começa por lembrar o “fim do mundo”, que é a Segunda Vinda de Cristo. Este final é, na realidade, um novo começo: o cumprimento do Reino de Deus. Precisamos “estar acordados” e “estar preparados” porque a entrada no Reino de Deus não pode ser automática: é uma graça que precisa ser recebida conscientemente e requer a nossa total cooperação. Noé precisava de construir a arca antes de nela entrar.

Precisamos, pois, de uma arca? Bem, para além de tufões ocasionais que causam inundações nas áreas mais baixas da cidade, em Macau estamos relativamente a salvo deste tipo de desastres. Mas outros tipos de inundações estão a afectar as nossas vidas. Por exemplo, somos inundados com compromissos que deixam muito pouco tempo para a nossa vida espiritual e social. Também somos inundados por emoções negativas que afectam muito as nossas atitudes e decisões. Por vezes, somos assoberbados por acontecimentos sobre os quais temos pouco ou nenhum controlo: uma doença grave, a perda do emprego, a partida de um ente querido… E então sentimo-nos como se nos estivéssemos a afogar.

Este período do Advento é um bom momento para construirmos uma arca sólida, para que possamos navegar em segurança pelas águas turbulentas da vida. Não nos cansando em demasia enquanto corremos de uma tarefa para outra, mas executando o nosso trabalho diário enquanto respiramos de forma lenta e profunda. Jamais podemos agarrarmo-nos a qualquer pedaço de lixo, simplesmente com o intuito de nos mantermos à tona (relacionamentos superficiais, álcool, redes sociais…); pelo contrário, devemos assentar a nossa vida em escolhas saudáveis e princípios morais.

Na minha vida pessoal, percebi que um momento de oração silenciosa antes de terminar o dia é muito útil para evitar inundações emocionais. Em primeiro lugar, oiço as sensações do meu corpo, principalmente as mais incómodas: dor, rigidez, mudança de temperatura, inquietação, etc. O nosso corpo envia-nos sinais sempre que algo está mal dentro de nós. “Ouvir” esses sinais é uma boa forma de relembrarmos as nossas mentes e corações dispersos. Ao mesmo tempo, aprofundo a minha respiração: a inspiração e a expiração profundas e lentas limpam as nossas mentes, acalmam os nossos corações e criam silêncio no nosso interior – um silêncio no qual podemos encontrar Deus. Lembre-se que o Espírito Santo é o sopro de Deus dentro de nós!

Passo então a experimentar as emoções desagradáveis que inundam o meu coração e a minha mente: medo, ansiedade, tristeza, vergonha, raiva. Ao dar-lhes tempo para se expressarem, permito que estas emoções primeiro surjam (reprimi-las nunca é útil), depois diminuam e, com sorte, até diminuam como as ondas do mar que lavam poderosamente a costa, mas depois recuam para o mar. Todo este processo deve ser feito na segurança da presença de Deus, na arca do Seu Amor e da Sua Misericórdia que nos impede de nos afogarmos em pensamentos negativos.

Por fim, posso ter uma mente clara para dialogar com Deus sobre a melhor maneira de lidar com as questões da vida e discernir o melhor caminho a seguir.

A oração silenciosa é seguramente o melhor lugar para acolher o convite de Jesus de “ficar acordado” e “estar preparado”. Que o vosso Advento seja um tempo em que construais a vossa própria arca espiritual interior, um espaço interior seguro onde enfrentar os desafios da vida e navegar com esperança para o futuro de Deus!

Pe. Paolo Consonni, MCCJ

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