PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 37

PRIMEIRAS MISSÕES CATÓLICAS NO NORTE DA ÍNDIA – 37

Os perigos de uma viagem terrestre

Após demorada espera, o padre António Monserrate partiu finalmente de Agra para Goa na companhia dos embaixadores de Acbar. A longa jornada, fá-lo-ia o catalão em segurança, embora várias vezes tivesse corrido sério perigo de vida…

Acontece que um certo general fora compelido a integrar a comitiva contra vontade própria. Viagem tão longa e interminável assemelhava-se mais a um exílio forçado. Além do mais, chegara-lhe aos ouvidos o rumor de que uma carta selada fora entregue ao padre estrangeiro, e que esta só poderia ser aberta na cidade portuária de Surate. Temia o dito que na missiva estivessem inscritas ordens para que fosse executado, pois pouco antes soubera Acbar da sua implicação numa abortada conspiração contra o império. Por essa razão, o militar, de sua graça Sayid Muzaffar, frequentemente instava Monserrate a abrir a carta. Este, fiel às ordens de Rodolfo Acquaviva, seu superior hierárquico, sempre se recusou a fazê-lo. Muzaffar tentou então, “não uma ou duas vezes apenas”, persuadir um dos companheiros a ajudá-lo a desembaraçar-se do incómodo estrangeiro; o que, verdade seja dita, poderia ter sido concretizado com a maior das facilidades. Se tal acontecesse, definitivamente comprometida ficaria a embaixada. Valeu ao jesuíta a intervenção de um companheiro do general que considerou “indigno da boa fé de um muçulmano matar um homem inocente e justo” que neles confiava, pois sabia-os fiéis ao seu rei. Ademais, os militares mogóis sabiam que o cristão não lhes desejava qualquer mal… Ia lembrando o subalterno deste general que à chegada a Surate este poderia então decidir, “de acordo com a natureza do conteúdo da carta”, se seria ou não perigoso prosseguir viagem. Apaziguado por tais considerações e dissuadido da sua inicial intenção, Muzaffar optou por ir ao encontro do governador de Bharuch, seu familiar, para lhe pedir conselhos acerca do melhor caminho a seguir.

Entretanto urgia que o sacerdote chegasse o mais rápido possível a Damão, pois aí encontraria navio que transportasse a embaixada a Goa e daí, noutro de maiores dimensões, a Lisboa. Muzaffar providenciou-lhe uma escolta de oito dos seus servos, mas estes acompanharam-no apenas uma parte do trajecto. Enfrentaria Monserrate o resto do caminho outros grandes perigos, pois estavam as estradas infestadas de ladrões. Nessa região, habitada essencialmente por muçulmanos, a simples menção do nome “cristão” ou “franco” desencadeava ódios imediatos e facilmente se chegava ao assassinato. Valeu ao padre a escolta de sucessivos militares mogóis que, às ordens dos governadores das cidades por onde a comitiva ia passando, o foram acompanhando até às margens do rio Narmada. Atravessado este obstáculo, viu o mogol de serviço uma boa oportunidade para matar o padre e tirar-lhe o dinheiro que pudesse ter. Para isso havia que afastá-lo o mais possível da estrada, usando como estratagema a necessidade de tratar de uns negócios numa das aldeias e querendo a toda a força que o padre o acompanhasse. Um súbito “instinto de inspiração divina” impediria Monserrate de cair no logro, e ele não se distanciou dos seus companheiros, especialmente de um jovem cristão que sempre o acompanhava. Nem o soldado mogol, nem os ladrões que ele contratara para fazer uma emboscada, os ousaram atacar e assim, com “a ajuda e protecção de Deus”, todos chegaram sãos e salvos à próxima cidade. Não sem antes, na “passagem pela cordilheira de Avazis”, terem evitado o ataque de um bando de ladrões, pois sempre “marcharam de mãos dadas”, estratégia que os livraria do perigo. Os salteadores estavam escondidos nos densos matagais da floresta, vislumbrando-se os vultos de alguns deles “através dos arbustos que quase bloqueavam a estrada”.

Entraram finalmente no território de Surate numa altura em que uma frota de navios portugueses, “indignados com os ultrajes dos mogóis”, bloqueava a foz do rio Tapi a fim de impedir que os navios navegassem para Meca sem os respectivos salvos-condutos. Essa coincidência acarretaria problemas adicionais ao sacerdote que acabaria por ser enviado a Surate sob escolta. Ou seja, em vez da esperada hospitalidade, acabou encarcerado “num edifício rodeado por um muro muito alto” guardado por um corpo de soldados. Uma vez explicado o motivo da sua viagem – o de ser guarda-avançada dos embaixadores do imperador Acbar à corte do rei de Espanha e Portugal – acalmou o governador da cidade, mas mesmo assim exigiu que lhe mostrasse “certificado ou ordem do rei” que comprovasse a veracidade do que dizia. Monserrate então exclamou: “Aqui está o certificado original, que pode ser confirmado pelo testemunho dos meus colegas. Veja, aqui nesta outra carta está o selo do Rei, não está a reconhecer? Leve-a e examine-a cuidadosamente, descobrirá que estou a dizer a verdade”. Convencido, o governador de Surate foi-se embora, e pouco tempo depois enviava “grandes e generosas dádivas ao padre como sinal de amizade”.

Entretanto, “pela graciosa interposição da Providência”, chegava também a Surate o jovem cristão acima mencionado. Graças a ele e aos seus servos, “o governador, os chefes de polícia e os demais conselheiros” souberam que as declarações do padre eram verdadeiras. Decidiram então aqueles soltá-lo com todo o respeito, para que a sua raiva pudesse ser aplacada e para que ele não relatasse o caso ao imperador, que eles sabiam “que o considerava muito carinhosamente”. Pretendiam, caso Monserrate protestasse contra a forma como fora tratado, fingir que o haviam mantido dentro de casa até que uma oportunidade adequada se oferecesse para dar-lhe uma recepção marcada pela dignidade e honra que deveriam ser demonstradas a alguém que acabara de chegar da corte de Acbar.

Joaquim Magalhães de Castro

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