Preparação em curso

É triste olhar para Macau à distância e ver que, infelizmente, o território não está a ficar melhor para quem aí vive. Nestes últimos dias tenho “observado” o local onde residi desde 1997 pelos olhos da minha mulher e não tenho gostado nada daquilo que vou conseguindo enxergar. A última desilusão foi Coloane, onde temos um casal amigo que a NaE visitou recentemente. Ele, responsável pelos treinos de acrobacia da trupe de Franco Dragone, que tanta inovação trouxe aos espectáculos de Macau, e ela funcionária da Galaxy até recentemente. Ambos também de malas aviadas para deixar o território, apesar de terem várias ofertas de emprego para ficarem. Pelo que me foi dado a perceber, também não se identificam com Macau nestes dias e preferem ir para outro local onde a qualidade de vida seja melhor, porque dinheiro, felizmente, não é tudo.

Quanto a Coloane, pelo que sei, tem surgido construção por tudo quanto é lado. Triste presságio que escrevi há alguns anos aquando dos rumores da construção dos apartamentos de luxo na zona da Concórdia, que ainda vi serem edificados. Foi o início do fim!

É pena que o Governo olhe para Coloane como mais um pedaço de terreno que apenas pode servir para alimentar os patos bravos, sendo que a Assembleia Legislativa está cheia deles.

Fico triste, mesmo sabendo que nada me afecta, ao ver a minha terra de adopção ser aniquilada e estrangulada por uma população a caminho de um milhão de pessoas, quando na verdade tem capacidade para pouco mais de meio milhão. Ainda me lembro de me darem a entender em Pequim que havia planos para que chegasse a esse número antes de 2020, a ver vamos.

Depois deste desabafo de um filho da terra adoptivo que anda longe, resta dizer que por aqui a semana foi passada entre chuva, Sol e mais chuva, o que não possibilitou muitas saídas nem a realização de trabalhos no exterior.

Tendo em vista a nossa partida rumo ao Norte, que deve acontecer no dia 1 de Outubro, se o tempo cooperar, foram substituídos todos os filtros de óleo, de gasóleo e do sistema de água. Apenas falta verificar os filtros de água salgada, que devem ser limpos esta semana.

Havia trabalhos a realizar no exterior, como o rearranjo do compartimento de carga à popa da embarcação, que precisa ser esvaziado, limpo e tudo colocado no sítio novamente, mas tal não foi feito devido à chuva. A parte de trás do veleiro parece uma arrecadação ao ar livre, com caixas e latas por tudo quanto é lado.

Entretanto, também na próxima semana, deve chegar o novo bote, o que irá obrigar a que suba ao topo do mastro para trocar uma das adriças que usamos para o içar a bordo quando velejamos. A anterior quebrou, aliás, as três anteriores quebraram porque comprámos sempre maiores do que o necessário e o atrito no cadernal interior fixo que está dentro do mastro fez com que se cortassem. Desta vez vamos comprar uma mais fina, que seja capaz de suportar o peso do bote, para ver se dura mais algum tempo.

Entre os momentos de chuva, de trabalho e de Sol, houve ainda a oportunidade de dar uma fugida à praia. Algo que é essencial para a menina Maria, porque passar o tempo todo dentro do barco faz com que fique hiperactiva. Como todas as crianças, precisa de variar de ambiente. Se o pai consegue ficar no barco dias a fio sem se chatear muito ou ficar aborrecido, o que irá ser essencial para a travessia do Pacifico, a bebé precisa de ter alguém com muita imaginação para a manter entretida e de bom humor – tarefa que, numa situação normal, cabia à mãe que tem mais paciência do que eu.

Estes tempos com a Maria têm sido de grande aprendizagem porque tenho de encontrar forma de fazer tudo sem qualquer ajuda. A princípio ainda pensava que ela iria passar algum tempo com os amigos brasileiros, brincando com a sua amiga, mas isso apenas aconteceu um dia. As tentativas seguintes nunca resultaram porque não pára de chorar e não me deixa ir embora, apesar de estar sempre a pedir para ir brincar com a amiga. Desconfio que, no seu íntimo, tenha medo que eu também vá embora como aconteceu com a mãe, que a viu entrar por uma porta do aeroporto e nunca mais a viu sair.

Por muito que eu explique que a mãe vai voltar, que a mãe foi a Macau, ela ainda não consegue perceber que ela foi, mas volta. E isto, mesmo conseguindo vê-la quase todos os dias pelo Skype e falando com ela assiduamente. É ainda muito pequena para entender estes acasos da vida.

Resta dizer que tudo continua bem, que estamos quase a completar o primeiro mês de vida a bordo do Dee sem a NaE e que esperamos que os restantes três meses passem bem mais rápido.

Ainda vamos ficar em St. George até ao final de Setembro e depois iremos começar a navegar rumo ao Norte, parando em Carriacou por alguns dias para que os amigos brasileiros do veleiro Gentileza possam conhecer a localidade. Dali sairemos do território de Grenada em direcção à ilha de Union, onde iremos aportar em São Vicente. Em Union apenas iremos parar para dar entrada no País, seguindo, possivelmente, ainda no mesmo dia, para a ilha de Marieux, onde iremos ficar dois ou três dias, dependendo do tempo, antes de seguirmos para Bequia, onde planeamos ficar cerca de uma semana e de onde iremos zarpar de São Vicente. A próxima paragem será a ilha de St. Lucia, onde também planeamos ficar uma semana para visitar amigos que ali fizemos aquando da nossa estada de seis meses. Depois de St. Lucia o destino é a ilha francesa de Martinica, primeiro em St. Anne, depois Grand Anse d’Arlet e, finalmente, Fort-de-France. Será aqui na capital que iremos preparar tudo e abastecer os veleiros para a travessia de quatro a cinco dias rumo às ilhas holandesas de Aruba, Bonaire e Curacao. Isto deverá acontecer antes do final de Outubro. Em Novembro será o momento de navegarmos até ao Panamá. Muitas milhas para fazer sozinho com a pequena Maria e o cachorro Noel a bordo do Dee.

João Santos Gomes

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