Um trabalho interno
Imaginem que o homem mais rico do vosso país vos dissesse que queria que fizessem parte da sua família. A partir de agora – apenas porque ele assim o desejava – vós puderieis começar a usufruir de todos os privilégios ao alcance da sua família. Poderiam utilizar os jactos privados da sua família, ou no mínimo viajar sempre em primeira classe para qualquer destino no Mundo; poderiam usar um dos iates da família sempre que o desejassem, ficar em qualquer um dos hóteis ou “resorts” de luxo da família, utilizar os cartões de crédito da família, e etc…. Não se considerariam afortunados por isso?
Bem, se tiverem sido baptizados vós sois ainda mais afortunados do que isso, porque quem vos teria convidado a ser parte da sua família não é apenas o dono de um grupo de companhias. Ele é o dono do Mundo. De facto, é o proprietário de todo o Universo. O baptismo torna-nos filhos adoptivos, parte da família de Deus, e futuros herdeiros de tudo o que Ele possui e sobre o que governa. Incrível! Para tornar esse facto possível, Deus deu-nos graça – Graça santificante.
Se formos parte dessa família também teremos que ser educados e treinados para pertencermos a ela. O modelo, naturalmente, é o único Filho natural do Chefe dessa família, Jesus Cristo. Aprendemos com ele em como sermos “Filhos do Pai”. Para além disso, Deus concede-nos o que chamamos de “graças reais” para nos apoiarem nessa tarefa. O “Catecismo da Igreja Católica” – CIC (nº.1996) diz que «Graça é um favor, uma ajuda espontânea e desmerecida que Deus nos dá, para podermos responder aos seus chamamentos para nos tornarmos Filhos de Deus, seus filhos adoptivos, participantes na natureza divina e na vida eterna». De facto, ainda mesmo antes de respondermos ao seu convite para sermos parte da Sua família, Ele já nos tinha concedido algumas graças reais. Mas, primeiro deixem-me clarificar o que na realidade é uma graça real.
Muitas pessoas pensam que a graça é algo que pode ser sentido. Algo que os faz chorar ou terem arrepios. Porém, o CIC (nº. 2005) diz-nos o seguinte: «Como pertence a uma ordem sobrenatural, a graça escapa aos nossos sentidos e não pode ser reconhecida, a não ser através da Fé. Por isso não nos podemos fiar nos nossos sentidos ou conhecimentos para concluirmos que nos foi feita justiça e fomos salvos». O Catecismo usa uma pequena história para explicar este ponto. «Uma agradável imagem desta atitude pode ser reconhecida na resposta que Santa Joana d’Arc deu a uma pergunta traiçoeira que lhe foi posta pelos seus juízes eclesiásticos. Perguntaram-lhe se ela sabia que estava na graça de Deus, ao que ela respondeu – Se não estou, que Deus ma dê, se estou que me mantenha nela».
Se a graça não é algo que se sinta, se não é algo que me possa dar um choque emocional, então, o que é? Em que é que isso ajuda? Quando falámos sobre a liberdade, e recapitulámos os ensinamentos do CIC (nº. 1731) estabelecendo que isso é um poder «baseado na razão e na vontade».
Deus sempre respeitou essa liberdade, Ele respeita o nosso julgamento e a nossa vontade. Assim, quando Deus nos apoia, o que Ele faz é apoiar tanto a nossa razão como a nossa vontade. Ele ilumina a nossa mente para que possamos pensar claramente e fortalece a nossa vontade, para que mesmo que a escolha seja difícil nós não sejamos intimidados e demovidos pelos obstáculos. A graça real é Luz e Força. É o que se pode chamar “um trabalho interno”. Funciona tão suavemente que mal conseguimos notar a sua presença. É por isso que muitas vezes nos congratulamos quando fazemos algo bom e pensamos: “Oh, que bom que sou! Ó Deus, agradeço-vos não ser como outros homens, corruptos, injustos, adúlteros…” Oooii! Não vos soa familiar? Vejam S. Lucas 18:11 sobre o que Jesus tem a dizer sobre isto. Considerem isso uma como outra oração. «Ele olhou para a fraca condição social da sua serva. A seu ver, a partir de agora todas as gerações me chamarão, abençoado: porque aquele que é poderoso, fez grandes coisas comigo, e abençoado seja o seu nome» (Lucas 1:48-49). Nós não conseguimos ver que a maioria das coisas boas que fazemos não poderiam ter sido efectuadas sem a Luz e a Fortaleza de Deus. Certo que é nossa a decisão. São acções feitas com «a gloriosa liberdade dos filhos de Deus», conforme S. Paulo disse (Romanos 8:21) mas com um grande apoio da Assistência Divina.
Isto é o que S. Paulo dizia: «Pela graça de Deus, sou o que sou, e a sua graça para comigo não foi em vão. Pelo contrário, trabalhei mais que todos os outro, se bem que não fosse eu, mas a graça de Deus que estava comigo» (I Corintíos 15:10).
Podemos perguntar: A graça é irresistível? Não exactamente. Deus bate à porta do meu coração, e a decisão de abrir a porta é minha, de usar a ajuda que Ele me oferece. Serei sempre livre de escolher. Na realidade, posso sempre resistir, simplesmente não rezando, ou não recebendo os Sacramentos – que são, ambos, canais da graça. Se não quero ser perturbado por Deus, a única coisa que tenho que fazer é afastar-me Dele! Posso sempre ocupar-me com outras coisas e ignorar Aquele que me espera pacientemente.
«Vejam, Eu fico à porta e bato; se alguém responder à minha chamada e abrir a porta, entrarei e comerei com essa pessoa, e essa pessoa comerá comigo. Àquele que conquista, concederei que se sente no meu trono comigo, assim como Eu conquistei e me sentei com o meu Pai no seu trono. Àquele que tem um ouvido, deixem-no ouvir o que o Espírito Santo diz às Igrejas» (Revelações 3:20-22). Às vezes não respondemos porque temos medo. Temos medo que Ele nos possa pedir demais, e que fiquemos sem nada. S. João Paulo II disse, a 22 de Outubro de 1978: «Irmãos e irmãs, não tenham medo de acolher Cristo e aceitarem o seu poder. Ajudem o Papa e todos os que desejam servir a Cristo e com o poder de Cristo servir os seres humanos e toda a humanidade. Não tenham medo. Abram as portas de par em par, para Cristo. Deixem entrar o seu poder de salvação, abram as fronteiras dos Estados, a economia e os sistemas políticos, os grandes campos da cultura, civilização é desenvolvimento. Não tenham medo. Cristo sabe o que “está no homem”». Apenas ele sabe isso. «Tantas vezes o homem de hoje desconhece o que está no seu interior, nas profundezas da sua mente e do seu coração. Tantas vezes se sente inseguro sobre a razão de ser da sua vida nesta Terra. É assaltado pela dúvida, uma dúvida que se transforma em desespero. Assim pedimo-vos por isso, solicitamo-vos com humildade e confidência, deixem Cristo falar ao Homem. Apenas ele tem as palavras de vida, sim, de vida eterna».
Assim que descobrimos a beleza da vida espiritual, assim que verificamos quão bom é responder à graça de Deus, verificaremos o que estivemos a perder até agora.
Pe. José Mario Mandía