Portugal

O mestre futebol

Durante todos estes meses que tenho estado em Portugal há um aspecto da cultura portuguesa que – sinceramente – continuo sem conseguir assimilar na sua plenitude.

A maioria dos portugueses dão uma importância desmedida ao futebol e o tempo que as televisões e rádios dedicam ao tema dá-me a volta à cabeça.

A recente “novela” em redor do clima que se vive na estrutura administrativa do Sporting Clube de Portugal assume níveis escabrosos na sociedade. Mas antes do Sporting era o Benfica e o Porto, o que nada tem a ver com clubismos ou a preferência deste ou daquele clube.

Antes de sair de Portugal, em 1997, era simpatizante do Benfica, mas mesmo nessa altura nunca me tinha dado ao trabalho de ir ver um jogo ao estádio.

Gosto de futebol, independentemente do clube, desde que o espectáculo que os jogadores protagonizam no rectângulo de jogo seja meritório de 90 minutos da minha atenção. É para isso que são pagos!

A febre da bola aqui em casa ainda afecta alguns membros da família, especialmente o meu pai que é sportinguista ferrenho. Foi “doente” por futebol quando ainda era novo, tendo mesmo sido massagista, anos a fio, do clube da terra. A sua formação de enfermeiro militar fora assim aproveitada, tanto mais que nesses anos o meu irmão era jogador de futebol federado em escalões inferiores dos campeonatos nacional e distrital.

O meu irmão, talvez por ter vivido por dentro, nos balneários, e saber o que o futebol realmente é, não sofre com o também seu Sporting. Agora a sua aposta é na carreira do filho, que possivelmente, no próximo ano, irá ingressar na Academia do Futebol Clube do Porto. E também é isto que me faz comichão…

Quando eu era miúdo, o único local onde se podia jogar à bola (federado) era no clube da terra que tinha todos os escalões etários. Hoje em dia existem milhares de escolas de futebol e tudo é um grande negócio. Logo a começar pelos escalões inferiores.

Durante os anos que estive em Macau apenas me lembro de perder algumas noites de sono quando a Selecção Nacional jogava nos campeonatos do Mundo e da Europa. Os jogos de qualificação não me tiravam o sono.

Aqui em Portugal a febre é tal que as televisões e as rádios são capazes de estar 24 horas a falar de uma qualquer polémica a envolver o presidente de um dos três grandes clubes, como se fosse do interesse nacional. E, pior de tudo, há pessoas que seguem o fio da novela como se fosse decisivo para as suas vidas.

Tenho amigos que trabalham na Comunicação Social dedicada ao futebol. Um deles apresenta um programa de televisão e foi quem relatou o jogo que sagrou Portugal como campeão europeu. Apesar de ganharem a vida com o futebol, o jogo fica dentro do estádio. Assim que voltam a casa o tema “futebol” fica na esfera profissional. O futebol é a sua profissão, mas não é por isso que sofrem com a bola.

É triste ver-se amizades serem destruídas por causa de discussões sobre futebol. Famílias ficam desavindas pelo resultado de um jogo.

Em Macau também há muita clubite e há acesas discussões sobre tudo o que se passa no futebol em Portugal – sinal de que o trabalho da Comunicação Social está a ser bem feito.

Recentemente, já durante os episódios sobre a crise no Sporting, veio-me à memória um momento passado num canal de televisão em Portugal. Na altura, já Santana Lopes era ex-Primeiro-Ministro, havia sido convidado para comentar uma qualquer polémica sobre política em directo. A conversa com a apresentadora do noticiário foi interrompida para emitirem um directo do aeroporto, pois estava a chegar o José Mourinho (e foi apenas isto o directo!). Quando a emissão voltou ao estúdio a jornalista tentou reatar a conversa com Santana Lopes e este, indignado, recusou-se a continuar. Explicou o porquê da sua indignação, pediu licença, levantou-se e deixou o estúdio em directo.

Nunca fui apoiante de Santana Lopes, mas nesse dia estive totalmente de acordo com ele. Dar tanta importância ao futebol, de tal forma que interrompem a análise de uma pessoa que conhece os meandros da política portuguesa (como muito poucos), só pode denotar um grande vazio de cultura cívica.

O futebol é apenas um desporto e uma das muitas formas das pessoas se poderem entreterem. Para quem depende directamente deste desporto, pode – e deve – encará-lo como uma profissão. Fora esta realidade, não passa de um passatempo, apesar dos muitos milhões envolvidos.

Dar tanto protagonismo a uma actividade que se quer lúdica só pode indicar que a sociedade sofre de grandes problemas de base educacional.

Quando um povo dá mais atenção ao futebol do que às políticas e aos problemas sociais algo de muito errado estará enraizado no País.

A máquina ligada ao negócio do futebol faz girar milhões e dá emprego a muitas pessoas. Mas acredito que o Governo também tira partido de tudo isto. Ainda agora, durante a polémica do Sporting, o Governo aproveitou para fazer aprovar a prospecção de petróleo na Costa Alentejana sem qualquer estudo de impacto ambiental. O facto só foi conhecido depois de concretizado, apesar de antes ter sido reprovado devido à forte pressão popular junto dos governantes.

João Santos Gomes

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