Entrudo e Carnaval. O que são?
O termo “Entrudo” provém do termo latino Introitus, ou “entrada”. Com efeito, o conceito remete para a entrada na Quaresma, que começa precisamente no dia a seguir ao do Entrudo. Ou seja, na Quarta-Feira de Cinzas. Começa então a Quadragésima, ou Quaresma, já agora, o período dos quarenta dias entre as Cinzas até ao Domingo de Páscoa. O dia de Entrudo equivale também ao “dia de Carnaval”. A designação “Entrudo” assume a essência religiosa da festa de origem pagã, o Carnaval, que se comemora sempre numa terça-feira. O Entrudo é assim o fim do folguedo, do Carnaval, representando o começo da purificação para a Páscoa, através da abstinência quaresmal. Na Idade Média, o Carnaval começava no Dia de Reis (Epifania) e estendia-se até ao Entrudo, na Quarta-Feira de Cinzas, sendo um tempo mais longo de festejos populares de ritos e costumes pagãos. Esse período de folia passou a ter depois, tradicionalmente, três dias, embora actualmente se tenha alongado, em muitos casos, para cinco dias.
De referir que “Entrudo” pode remeter também para os dias do que agora se chama de Carnaval. Durante muito tempo, eram os dias de Entrudo, caracterizados por um conjunto de brincadeiras populares que envolviam o lançamento de vários tipos de substâncias nas pessoas, como líquidos, água e diversos tipos de pós. Os primeiros registos em Portugal de festivais para celebrar esses dias de Entrudo provêm da Idade Média. Havia bonecos gigantes ou pessoas mascaradas, sendo que todos ficaram conhecidos como “entrudos”. A prática de atirar coisas às pessoas surge documentada no Século XVI, com relatos de “lançamentos de farelos” nesses dias.
O Carnaval tem, entretanto, um carácter religioso no “adeus à carne”, que em Latim tardio se dizia “carne vale” (algo como a “carne vai embora”), devendo ser consumida pela última vez na festa de terça-feira do Carnaval. Os filólogos recordam a expressão em italiano “carne levare” como mais plausível, algo como “remover a carne”, uma vez que a carne é proibida durante a Quaresma. No fundo, é o adeus à carne, literalmente, mas também como símbolo da abstinência e contenção na preparação para a Páscoa.
A etimologia desta festa pode não radicar apenas nesse adeus à carne. Com efeito, a palavra “Carnaval” pode derivar da corruptela do Latim carrum navalis, literalmente “carro naval”. Mas porquê esta etimologia, que parece menos credível. Estes folguedos de Inverno, têm uma origem remota, pré-cristã, portanto pagã. Mas essa tradição profana manteve-se nos tempos cristãos, que a adaptaram ao calendário e liturgia do Cristianismo, ligados então ao tempo de contenção e recesso da Quaresma. Na Antiguidade, ocorriam desfiles alegóricos, que eram públicos, oficiais, mas alusivos às conquistas militares, particularmente na civilização romana. Eram recontadas as histórias desses feitos guerreiros de forma alegórica, a par de outros desfiles, mais festivos e índole religiosa, como as Satúrnias, ou Saturnais, que espoletavam todo um conjunto de festas paralelas, particulares, ou até públicas, com vinho e comida em abundância, mas também muitas celebrações de cunho sexual, orgíaco e dionisíaco, a que a tradição denominava de “Festas da Carne”. Que com o Cristianismo tenderam a desaparecer, ou a serem evocadas, apenas, nas terças-feiras de folguedo e arromba antes da quarta-feira do Entrudo, da expiação quaresmal.
A expressão carrum navalisradica, retomando o termo, no facto de, no decurso do tempo e por influência de culturas mediterrânicas – no processo de osmose cultural da formação do Cristianismo e da civilização ocidental –, os “corsos” e “desfiles” se tenham mantido, com a presença dos “Carros Navais”. Estes, mais tarde denominados genericamente de “Carros Alegóricos”, tinham o seu desfile nas terças-feiras de Carnaval, precisamente. O termo “carro naval” corrompeu-se então em Carnaval, de acordo com alguns autores. Todavia, os desfiles começaram a ter expressão mais modernamente, a par das fantasias, como produto da sociedade vitoriana do Século XX e que irradiariam universalmente a partir de Paris.
Noutra dimensão, o conceito de Carnaval, mais organizado em festas e desfiles, com uso de máscaras, tempo de festas, farsas, excessos e desafios, surge na substituição das festas dos “Entrudos”, as ditas práticas de atirar substâncias e objectos a quem passava na via pública, de sustos e partidas, pelos desfiles, festas (públicas e privadas), próprios do Carnaval. Mas os folguedos são comuns, seja qual for a etimologia, a vertente ou simbólica, ao Entrudo e ao Carnaval, que se confundem, misturam e coincidem nas datas.
Vítor Teixeira
Universidade Fernando Pessoa