PADRE JOAQUIM LOIOLA PEREIRA, SECRETÁRIO DO CARDEAL D. FILIPE NERI FERRÃO, ARCEBISPO DE GOA E DAMÃO

PADRE JOAQUIM LOIOLA PEREIRA, SECRETÁRIO DO CARDEAL D. FILIPE NERI FERRÃO, ARCEBISPO DE GOA E DAMÃO

«Temos de estar preparados para o que der e vier»

A elevação, em Agosto do ano passado, de D. Filipe Neri Ferrão ao Cardinalato é para os católicos de Goa um motivo de júbilo e para a Igreja Católica na Índia um incentivo essencial para fazer face aos desafios que tem pela frente. O mais exigente é a ascensão de uma corrente nacionalista hindu que argumenta que a minoria cristã é uma ameaça. Muitas vezes patrocinado pelas próprias autoridades, o fundamentalismo religioso começa a colocar em risco o testemunho aberto da fé católica em algumas zonas da Índia. Em Goa, as igrejas ainda enchem sem receios, mas quase já não se reza em Português, explica o padre Joaquim Loiola Pereira. O secretário do cardeal D. Filipe Neri Ferrão, actual arcebispo de Goa e Damão e patriarca das Índias Orientas, em entrevista a’O CLARIM.

O CLARIM– Exerceu as funções de secretário do arcebispo D. Raul Gonsalves e desempenha agora as mesmas funções ao lado do cardeal D. Filipe Neri Ferrão, o primeiro arcebispo de Goa a ascender ao Cardinalato em mais de 450 anos. Como é que a designação de D. Filipe Neri Ferrão para cardeal foi acolhida pelos católicos de Goa?

PADRE JOAQUIM LOIOLA PEREIRA –A elevação do nosso arcebispo Filipe Neri ao Cardinalato foi sem dúvida uma ocasião de grande regozijo nesta arquidiocese, até porque ficámos a perguntar a nós próprios porque será que esta graça não nos fora concedida há muito mais tempo, quando esta arquidiocese era das mais extensas de todo o mundo, com jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança até à China e ao Japão, tendo sido liderada por prelados de envergadura invulgar.

CL– Esta designação pode ser vista como um reconhecimento da importância histórica que a arquidiocese de Goa e Damão teve na divulgação da Palavra de Deus no continente asiático?

P.J.L.P. –Não sei dizer. Se o for, como já lhe referi, seria um reconhecimento bastante tardio. Pessoalmente, acho que esta designação tem a ver mais com a pessoa e acção do nosso arcebispo, que está a dar muito de si à Igreja em Goa e à Igreja na Índia. É de assinalar o papel que ele vem exercendo como presidente da Conferência Episcopal Indiana, a quarta maior do mundo, com 190 bispos no seu rol.

CL– Este papel, o da divulgação da Palavra de Deus, é uma tarefa que a Igreja Católica em Goa continua a chamar a si nos dias de hoje? Continua a ser um local de onde partem missionários para anunciar a Boa Nova ao mundo?

P.J.L.P. –Infelizmente, não. O número dos candidatos ao Sacerdócio que temos no momento presente mal nos chega para preencher as vagas existentes. E olhe que somos 730 sacerdotes a viver nesta arquidiocese: 375 diocesanos e 355 religiosos!

CL– Numa altura em que a Igreja discute os caminhos da sinodalidade, de que forma é que a designação de D. Filipe Neri Ferrão como cardeal ajuda as comunidades católicas periféricas da Índia?

P.J.L.P. –D. Filipe Neri Ferrão é mais do que arcebispo de Goa e Damão. Como lhe disse, ele é também o actual presidente da Conferência Episcopal Indiana e, nesta capacidade, tem-se debruçado activamente sobre a problemática das comunidades católicas periféricas do nosso país; sempre que pode, vai encorajando os nossos bispos a tomar iniciativas pastorais criativas que ajudem essas comunidades a serem melhor atendidas por uma Igreja que quer ser genuinamente “sinodal” e mais relevante para os nossos tempos.

CL– Quais são os principais desafios que se colocam à Igreja Católica e aos católicos de Goa, num país onde o Cristianismo é minoritário?

P.J.L.P. –Tem-se criado uma certa polarização entre adeptos de diversas religiões, provocada por um crescente fundamentalismo religioso, até um certo ponto fomentado pelo Governo. Vivendo em uma minoria de 1,9 por cento no meio de uma sociedade multi-religiosa, temos problemas com o testemunho aberto da nossa fé e também com o nosso relacionamento com pessoas de outras religiões, bem como com autoridades do Governo.

CL– Nos últimos dias veio a público a notícia de que a comunidade católica de Damão está a tentar evitar a demolição da Capela de Nossa Senhora das Angústias, um espaço de fé com mais de quatrocentos anos. Este tipo de pressões é comum? Teme que estes episódios se possam tornar mais frequentes?

P.J.L.P. – Temos de estar prontos a enfrentar iguais episódios que, face às circunstâncias presentes e atitudes e procedimentos de certas autoridades civis, podem vir a multiplicar-se num futuro não muito distante.

CL– A fé católica foi um dos maiores legados que emergiram de quatrocentos anos de presença portuguesa na Índia. Para a comunidade goesa, dentro e fora das fronteiras de Goa, o Catolicismo ainda é uma marca de identidade?

P.J.L.P. –É sim, e bastante forte até agora, especialmente em Goa, onde as igrejas continuam a encher-se de fiéis para a Missa diária. As comunidades goesas da diáspora estão, porém, a enfrentar certas crises que advêm de um conjunto de factores sociais típicos das sociedades em que elas estão implantadas e que causam um certo esgotamento dos valores tradicionais em que elas foram criadas aqui, em Goa.

CL– O Português como língua litúrgica ainda tem espaço nas igrejas de Goa?

P.J.L.P. –A única igreja onde continua a haver Missa em Português, todos os Domingos, é a Igreja Matriz de Pangim. Celebram-se missas em Português, em número cada vez mais reduzido, por ocasião de casamentos ou de outras celebrações familiares.

CL– Que futuro perspectiva para o Catolicismo na Índia e, em particular, em Goa?

P.J.L.P. –Temos muito a enfrentar. Está em ascensão uma forma de nacionalismo hindu muito agressiva. A ideia, ainda que ridícula, de que os cristãos, apesar da sua minoria abismal, estão em pé de guerra para “cristianizar” a Índia inteira está a tomar um vulto cada vez maior. Embora os nacionalistas representem uma pequena fracção da população hindu, eles têm a capacidade de criar um brado ameaçador e de semear uma tremenda dor. Temos de estar preparados para o que der e vier.

Marco Carvalho

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