PEQUIM AUMENTA PARA TRÊS O LIMITE DE FILHOS POR CASAL

PEQUIM AUMENTA PARA TRÊS O LIMITE DE FILHOS POR CASAL

Igreja aplaude medida em Ano da Família

O Governo Central da China decidiu na segunda-feira aumentar de dois para três o limite de filhos por casal, numa altura em que se faz anunciada uma crise demográfica no País. A medida inverte a política do “filho único”, abrindo as portas a um desenvolvimento mais integral da sociedade chinesa, defendem especialistas consultados pel’O CLARIM.

Com uma população cada vez mais envelhecida e o crescimento populacional a abrandar mais depressa do que o previsto, o Governo Central da China decidiu voltar a flexibilizar a política de controlo da natalidade, depois de há cinco anos ter abandonado o conceito do “filho único” que vigorou durante mais de três décadas, entre 1980 e 2016.

A medida não elimina totalmente as restrições a que estão sujeitos os agregados familiares chineses, mas rectifica algumas limitações em vigor até ao momento. Tal merece o aplauso do padre José Angel Hernandez, profundo conhecedor da realidade chinesa. «Crescer na companhia de irmãos e de irmãs é uma forma mais saudável, mais natural de se crescer, até porque implica a ideia de um desenvolvimento conjunto», defende o sacerdote mexicano. «Ao crescerem juntos podem aprender a partilhar uns com os outros e não é apenas a partilhar os recursos financeiros de que a família dispõe: podem cuidar uns dos outros; isso é o mais importante. Podem brincar uns com os outros, conviver com crianças da mesma idade ou com uma idade muito próxima. É a forma mais saudável de alguém se desenvolver», acrescenta o missionário da Congregação do Verbo Divino.

Pequim justifica as novas orientações demográficas com a necessidade de garantir a sustentabilidade económica do País, depois de no início de Maio os resultados do inquérito demográfico realizado em 2020 terem revelado um envelhecimento mais rápido do que o previsto. A queda na taxa de natalidade é encarada pelas autoridades do Continente como uma grande ameaça ao progresso económico e à estabilidade social, mas para o psicólogo Nuno Gomes os principais ganhos resultantes das alterações anunciadas poderão nem ser económicos. «Penso que tudo o que seja impor um limite acaba por ser sempre contra-natura. Impor um limite – seja de um, seja de três, cinco ou dez filhos – acaba por ser um pouco contra-natura», defende o docente da Universidade de Macau. «É completamente diferente crescer com irmãos ou sem irmãos. Para já, porque – quer queiramos, quer não – entra-se em competição/cooperação. Cabe de certa forma aos pais gerir este aspecto; mas seja em que campo for, a competição positiva pode ser óptima. Isto é algo que não acontece num contexto familiar de filho único. Nas famílias com mais do que um filho há uma disposição muito mais imediata para os desafios de se viver em sociedade, num processo que começa logo ali, pelo irmão. Parece-me muito evidente que a presença de um irmão vai afectar o desenvolvimento social e até cognitivo das crianças, até porque as vai forçar a estar mais atentas», considera o especialista.

IGREJA ATENTA

Entre 1980 e 2016, a China praticou um rígido controlo da natalidade, justificando a decisão com a necessidade de conter o que considerava um crescimento populacional excessivo, e de preservar recursos que eram vistos como escassos para a sua economia em expansão. A política foi imposta com particular impetuosidade, com as então autoridades chinesas a aplicar pesadas multas, a “promover” esterilizações e abortos, práticas desde sempre condenadas pela Igreja Católica, mas também por organizações de defesa dos Direitos Humanos.

A liberalização progressiva das restrições a que os casais chineses ainda estão sujeitos, admite o padre José Angel Hernandez, devem contribuir para que uma série de práticas percam expressão entre a população chinesa. «De forma a não infringir a política do “filho único”, muitas famílias viram-se obrigadas a abortar. O aborto é uma das consequências mais nefastas dessa política. É um dos maiores problemas, mas não é o único», garante o pároco da igreja de Nossa Senhora de Fátima. «Algumas famílias católicas optavam por esconder os filhos por causa da política do “filho único”. Optavam por não o registar ou, em alternativa, entregavam-nos ao cuidado de irmãs ou de familiares que não tinham crianças. As famílias entregavam-nos a outras pessoas para que fossem criados por terceiros, escapando assim a penalizações. Eu conheço vários casos na China», refere o sacerdote.

A Igreja Católica sempre se opôs a medidas de controlo da natalidade. Na encíclica Populorum Progressio, datada de 1967, o Papa Paulo VI manifestou-se contra “métodos drásticos para reduzir a taxa de natalidade”; “não há dúvida de que as autoridades públicas podem intervir neste assunto, dentro dos limites de sua competência”, escreveu o Pontífice. “Elas podem instruir os cidadãos sobre o assunto e adoptar as medidas cabíveis, desde que estejam em conformidade com os ditames da lei moral e que a liberdade legítima dos casais seja preservada totalmente intacta”, clarificava.

As mudanças deverão significar, à partida, que as gerações pós-“filho único” poderão dispor de condições de desenvolvimento emocional muito mais equilibradas do que as gerações que as precederam. A última palavra, defende ainda assim Nuno Gomes, pertence sempre aos pais. «O mais importante – seja com três filhos, um ou dez – é haver pais com cabeça e que valorizem a saúde emocional dos filhos. Emocional e mental, naturalmente. Mas é importante perceber que os filhos necessitam de muita atenção, de muito afecto e de presença. Se conseguirmos isto, com certeza que a sociedade chinesa vai prosperar ainda mais», remata o psicólogo.

Marco Carvalho

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