Direitos Humanos versusLei da eutanásia
Ontem [N.d.R.:texto redigido a 30 de Janeiro] passei parte do dia a enviar condolências. Também ao abrir o facebook as notícias eram semelhantes, continham um pedido solidário de oração por diferentes entes queridos internados ou que tinham partido. Vivemos um tempo bastante conturbado, uma verdadeira guerra contra o desconhecido a diferentes níveis, numa luta contínua para ultrapassar as dificuldades com as quais nos vamos confrontando, procurando manter alguma sanidade mental. Não é tarefa fácil, depende da personalidade de cada um, do seu poder de aceitação e adaptação. Referia uma amiga a quem faleceu a mãe há alguns dias, vítima de Covid-19: “A minha mãe deu-nos uma lição para a vida. Lutar, lutar sempre! Mesmo nas condições mais adversas, ela lutou. Fê-lo sem a nossa companhia, sempre na esperança de voltar a casa. Não conseguimos. Mas acredito que o seu sofrimento terminou e que descansa agora em paz. A certa altura senti necessidade de fazer uma caminhada para sentir mais energia e ganhar mais algum ânimo. Resultou. Contemplar a natureza ainda que de passagem fez-me muito bem”.
Também hoje recebi a visita da minha neta. Que alegria, que abraço gostoso. No entanto senti-a triste e receosa. É tudo tão diferente de momento. Tenho saudades dos tempos passados em que partilhávamos abraços e afectos sem receio. Agora torna-se necessário manter a distância. Olhei para a minha neta, que já não via há algum tempo, pensei que tinha tanto para lhe transmitir… Será que o saberei fazer? Na verdade cada um tem de viver a sua própria vida no contexto em que nos encontramos. Faço votos de que um dia ela tenha igualmente memórias a partilhar, que o possa fazer e que sejam positivas.
Entretanto tinha chegado o momento de participar num “webinar” denominado “Impacto psicossocial da pandemia nas pessoas idosas”, quando decorria na Assembleia da República a votação da Lei da eutanásia. Com algum espanto da minha parte começo a receber mensagens de que a Lei tinha passado. Não era possível! Portugal um dos países que mais promove a luta a favor dos Direitos Humanos? Em tempo de pandemia em que morrem centenas de idosos por dia? Estou de luto! Este não é o Portugal que conheço e do qual muito me orgulho. Não consegui continuar a participar no “webinar”. Também em memória dos idosos que faleceram recentemente, entre eles uma amiga muito querida com 101 anos, muito lúcida, que amava a vida e que a pandemia levou. Choro interiormente de revolta. Tantos anos a lutar pelos direitos dos idosos. Meus Deus, espero que o Presidente vete a Lei da eutanásia. Entretanto recebo o comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa que refere que os bispos portugueses exprimem a sua tristeza e indignação diante da aprovação parlamentar da lei que autoriza a eutanásia e o suicídio assistido. O comunicado acrescenta ainda que ocorre no momento de maior agravamento de uma pandemia mortífera, em que todos queremos empenhar-nos em salvar vidas, para tal aceitando restrições de liberdade e sacrifícios económicos sem paralelo, sendo um contra-senso legalizar a morte provocada neste contexto, recusando as lições que esta pandemia nos tem dado sobre o valor precioso da vida humana.
De salientar que a lei agora aprovada ainda poderá ser sujeita a fiscalização de constitucionalidade, por ofender o princípio da inviolabilidade da vida humana consagrado na nossa lei fundamental.
Pela minha mente surgiram todas as participações em prol da defesa dos Direitos Humanos, em particular dos idosos a nível mundial. Como se lutou pela promoção dos cuidados paliativos enquanto resposta eficaz para as situações que requeriam maiores cuidados aos doentes em todas as etapas da sua vida, apoiando as famílias e os pacientes. Mas ainda vamos a tempo de inverter esta situação. Pela minha parte vou apelar ao Senhor Presidente da República no sentido de vetar a Lei no site: www.presidência.ptou na página do facebook de Marcelo Rebelo de Sousa.
Santa Maria, Rainha de Portugal, intercedei por todos nós, nestas circunstâncias tão contraditórias.
Maria Helena Paes
Escritora