A etimologia da palavra Ecumenismo

PARA QUE NÃO HAJA MAIS CONFUSÃO

A etimologia da palavra Ecumenismo

As palavras portuguesas EcumenismoEcuménicoreferem-se a um esforço por parte das diferentes comunidades cristãs para a unidade. Aquilo que anima este esforço é a ideia de que se Deus é só um, então na verdade e, em consequência, a Igreja também têm de ser uma só. No entanto, cristãos de diferentes comunidades não coincidem no significado que atribuem à palavra Unidade. Alguns preferem falar de unidade espiritualenquanto que outros referem-se a uma unidade mais palpável, uma unidade de cariz jurídico-institucional.

O ecumenismo é muitas vezes confundido com o diálogo inter-religioso, mas, na verdade, com ele tem muito pouco que ver já que o diálogo inter-religioso se refere a um esforço para encontrar pontos em comum entre as várias religiões de modo a fomentar o respeito mútuo e promover a coexistência pacífica entre membros das diferentes religiões. Os motivos e objectivos do diálogo inter-religioso são distintos daqueles do ecumenismo, uma vez que o diálogo inter-religioso não visa a unidade entre religiões senão o respeito e a interacção entre estas; neste contexto, tentativas de unidade seriam totalmente descabidas.

O substantivo ecumenismoe o adjectivo ecuménicoderivam do Grego, através do Latim, mais especificamente do particípio presente passivo οἰκουμένη(oikouménē) do verbo οἰκέω(oikéō) que quer dizer “habitar, viver”. Por sua vez, este verbo deriva da mesma raiz das palavras οἶκος(oĩkos) e οἰκία(oikía), ambas com o significado de “casa, domicílio”.

Assim, o particípio οἰκουμένηsignifica “habitada”; a forma está no feminino do singular porque o sintagma ἡοἰκουμένη(oikouménē)é uma forma abreviada da expressãoἡοἰκουμένηγῆ(oikouménē g)“a terra habitada” ou mesmo ἡοἰκουμένηχώρα(oikouménē khra)“a região habitada”, referindo-se originalmente ao Imperio Romano como a parte habitada do mundo de então. Mas estariam os Romanos de facto convencidos de que o seu Império era a única parte habitado do mundo?Claro que não!

A questão é que mais do que habitadaa palavra οἰκουμένηquer dizercivilizada, um conceito algo problemático hoje por razões de “correcção” política. Este significado mais restritivo deriva do facto de que as palavras gregas οἶκοςe οἰκίαnão se referiam apenas ao aspecto meramente físico de casa,mas sobretudo ao aspecto institucional, ou seja, a família. De facto, o Grego Antigo não tinha outra palavra para família senão οἰκίαe em Grego Moderno a palavra para família é οικογένεια(oikogéneia), que quer dizer algo como “congéneres da (mesma) casa”. Deste modo, ἡοἰκουμένηque acaba por significar “o mundo” parece referir-se à porção do mundo habitada por povos que viviam de acordo com leis e costumes pre-estabelecidos ou institucionalizados, o que para os Romanos representava a forma mais básica de estrutura social e que derivava da instituição “família”. De facto, o pater familias“o-pai-de-família” era, para os Romanos, o primeiro grau hierárquico do civis Romanuse, em consequência, a base de toda a estrutura sócio-política do orbe romano.

A expressão ἡοἰκουμένηaparece várias vezes no Novo Testamento, como por exemplo em Mt., 24:14 ἐνὅλῃτῇοἰκουμένῃ(en holi ti oikouménēi) “no mundo inteiro” onde a palavra ὅλῃ(holi), que significa “todo, inteiro” é acrescentada para afirmar que o Evangelho deve ser proclamado não só para os povos dentro do Império Romano, mas em todo o mundo e πᾶσιντοῖςἔθνεσιν(psin toĩs éthnesin) “a todos os povos”. Esta necessidade de tornar a mensagem mais explícita sugere que na altura a expressão ἡοἰκουμένηera ainda entendia como referente sobretudo ao Império Romano.

Voltando ao conceito de ecumenismo, a chamada comunhão Anglicana, durante muito tempo o cartaz publicitário para o esforço ecuménico entre religiões, sem, claro está, abandonar o calão publicitário e auto-promotor, não deixou de se desviar cada vez a passos mais largos do credo Católico. Um dos problemas do ecumenismo, é que, tal como no caso anglicano, as mais das vezes existe um desfasamento enorme entre a declaração bem-intencionada de preocupação ecuménica e as acções que derivam de tais preocupações.

O Patriarca de Constantinopla, depois do Cisma de 1054, adoptou o título de Patriarca Ecuménico, querendo assim chamar a si a jurisdição sobre o mundo cristão, isto apesar de que até à queda de Constantinopla, em 1453, a igreja grega era governada de factopelo Imperador Bizantino.

Entre os vários poderes que o Patriarca atribui a si mesmo, está o de conceder autocefalias, ou seja auto-jurisdição ou independência a certas comunidades da chamada Igreja Ortodoxa. Muito recentemente, o Patriarca de Constantinopla concedeu a autocefalia ao Patriarcado de Kiev o que causou uma quebra ou cisma com Igreja Ortodoxa Russa, a maior comunidade ortodoxa do mundo. Isto porque até então a igreja ortodoxa da Ucrânia estava sob a jurisdição do Patriarca de Moscovo. As acções do Patriarca de Constantinopla ao longo dos séculos têm sido tudo menos ecuménicas, e hoje em dia não passam de uma tentativa desesperada de mostrar relevância quando o Patriarcado de Constantinopla esta a ponto de se extinguir e já se fala do seu traslado para ao Monte Athos, na Grécia. O título de Patriarca Ecuménicofoi desde o seu início um título de carácter honorífico apenas, já que o Patriarca de Constantinopla não tem qualquer jurisdição efectiva sobre as igrejas autocéfalas nem sequer em termos de doutrina.

Roberto Ceolin

Universidade de São José

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