E se Jesus fosse o jardineiro
Mas hoje parece que não há muito tempo para ter tempo e para fazer cada coisa com tempo… Quando corremos de um lado para o outro, quando apressamos o crescimento de cada coisa, quando despachamos uma refeição, quando não sabemos esperar… perdemos “sabor” e “beIeza”.
Vivi seis anos “encostado” ao Jardim Botânico. Todas as vezes que o atravessava impressionava-me a grandeza e a beleza das árvores. Muitas das quais acompanhavam o ritmo das estações – em cada estação a sua beleza.
Hoje penso que a nossa vida pode ter alguma coisa a ver com “essas” árvores e os seus “ritmos”. Também nós enfrentamos “quatro” estações: a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno. Também nós precisamos de aceitar que todas as estações fazem parte da vida e que cada uma tem a sua “beleza” e a sua “dor”. Também sabemos que nenhuma estação se percebe sem as outras e que cada uma é apenas parte de um ritmo “maior”.
A vida que somos tem muitas fases e muitos momentos, tem muitas alegrias e muitas dificuldades, muitas dores e muitas esperanças… tudo faz parte! Viver significa correr o risco de “cada estação”, por isso, é preciso aprender a “saborear” cada momento como ele é e não como nós gostaríamos que fosse.
Mas nesses percursos pelo Botânico impressionava-me, ainda mais, o tamanho de muitas árvores. Cresciam, no silêncio dos dias, sem darmos conta disso. No entanto, todas tiveram um início. Todas estas grandes árvores começaram por ser pequenas sementes. A sombra e a beleza que hoje colhemos é fruto da “entrega” e da “gratuidade” de alguém que um dia “lançou a semente à terra”… De facto, todos nós gostamos da sombra de uma árvore, mas nem todos nos lembramos de as plantar.
HOJE, NÃO HÁ TEMPO PARA TER TEMPO
Gosto de pensar na coragem de lançar a semente sem ver o resultado, gosto de pensar na pequenez do princípio das grandes coisas. Tudo o que é verdadeiramente grande e humano… e tudo o que é humano começou por ser pequeno e frágil. Na verdade, tudo para ser o melhor de si mesmo precisa de tempo. Até os seres humanos precisam de tempo para que o melhor de si e da sua beleza se revelem.
Mas hoje parece que não há muito tempo para ter tempo e para fazer cada coisa com tempo…
Quando corremos de um lado para o outro, quando apressamos o crescimento de cada coisa, quando despachamos uma refeição, quando não sabemos esperar… perdemos “sabor” e “beleza”.
PLANTAR GRATUITAMENTE PARA OS OUTROS
O mais grave ainda é quando já nos parece inútil plantar árvores. O que seria o mundo se muitos, antes de nós, não arriscassem a “gratuidade” de plantar uma árvore!? Quando desistimos de plantar árvores para os “outros”, desistimos não só do futuro colectivo e da construção de um mundo melhor, mas também de uma parte importante de nós mesmos: “sermos plantadores de árvores”.
Cada vez é maior a tentação de irmos buscar árvores já grandes e levá-las para o nosso quintal, porque queremos que tudo aconteça no nosso tempo. Contudo, muitas vezes essas árvores acabam por secar rapidamente. Confesso que os meus conhecimentos não me permitem saber exactamente a razão por que secam. Talvez sequem porque as raízes possam ser pouco profundas, ou porque as árvores não se “adaptem” ao terreno, ou porque a água não foi suficiente… ou porque simplesmente ninguém cuidou delas.
Às vezes imagino a possibilidade de uma parte da sociedade (a começar por mim) poder correr o risco de ser uma dessas árvores a secar por dentro. Falta uma seiva que vem das raízes e chega a todos os ramos, falta um “fio condutor” entre todos os elementos, falta tempo para que cada coisa possa acontecer no seu tempo, falta um lugar onde as raízes conheçam a terra.
É por isso que questiono muito os “arranjos” de flores “arrancadas” da natureza – embelezam temporariamente as nossas vidas, mas já a secar por dento. Muitos dos nossos “arranjos” não tem raízes. Mesmo – e sobretudo – nas nossas igrejas. É bonito, mas é temporário; é bonito, mas não tem raiz; é bonito, mas “interrompemos” o seu “tempo”… porque as “obrigamos” ao nosso tempo.
PENSOU QUE ERA O JARDINEIRO
E se Deus fosse o jardineiro? Não tenho dúvidas que passava dia a “plantar árvores novas”, a regar as que já estavam plantadas, a adubar as que estavam a “rebentar”, a podar as que estavam em crescimento… Se Deus fosse o jardineiro, não deixava arrancar flores para os nossos “arranjos”, nem permitia que se respondesse aos caprichos dos que querem “árvores já crescidas”. Seria um jardineiro zeloso e “cuidadoso”… orgulhoso do seu jardim.
Talvez não seja por acaso que Maria Madalena tenha confundido Jesus Ressuscitado, na manhã de Páscoa, com o “jardineiro” [Kerovpoo] (cf. Jo 20, 15).
Um engano ou um dos momentos mais autênticos do Evangelho?
Pe. Nuno Santos
In Mensageiro de Santo António