PAIS DA IGREJA (8)

PAIS DA IGREJA (8)

Escritos falsos, crónicas genuínas

Juntamente com os primeiros escritos cristãos, como o Didaqué, surgiram outras obras literárias durante o mesmo período. Entre estas encontram-se os escritos apócrifos, a poesia cristã e as crónicas dos mártires. Abordamos hoje os escritos apócrifos e as crónicas dos mártires.

1– Escritos Apócrifos: Quando lemos os Evangelhos, notamos que dificilmente fornecem descrições detalhadas sobre algo, e até nem mesmo dos acontecimentos mais importantes da vida de Nosso Senhor. Portanto, o que alguns cristãos devotos e imaginativos fizeram foi tentar fornecer-nos mais detalhes. Inventaram lendas em torno de histórias reais, para despertar a nossa piedade.

Por outro lado, alguns escritores que propagaram heresias também recorreram a lendas para darem suporte aos seus ensinamentos. A estas lendas deram a classificação de “escritos apócrifos”. O termo tem origem no Latim “apocrypha scripta” (“escritos ocultos”), que por sua vez derivou do Grego “apokrýptein” (esconder-se, manter-se escondido de), pois apenas um grupo selecto a eles deveria ter acesso. Para tornar as lendas mais facilmente compreensíveis ou entendíveis, alegou-se que foram escritas pelos apóstolos ou por outros discípulos próximos do Senhor. É por isso que o conceito “apócrifo” evoluiu para “espúrio” e “falso”.

Mas será que as obras apócrifas têm algum valor? Sim, de facto, têm. Elas “fornecem informações valiosas sobre tendências e costumes que caracterizaram a Igreja primitiva. Além disso, representam o início das lendas cristãs, das histórias folclóricas e da literatura romântica. Elas são indispensáveis para a compreensão da arte cristã. (…) A sua influência nos últimos relatos de milagres ou mistérios foi considerável. (…) Assim, temos nelas uma fonte pitoresca e de primeira mão sobre o pensamento cristão” (Johannes Quasten, I, págs. 106-107). De notar que também havia apócrifos de origem judaica.

Os apócrifos de origem cristã incluem:

1.1– Evangelhos Apócrifos: atribuídos aos hebreus, aos egípcios, a ebionitas, a Pedro, a Nicodemos, a Tiago, a Tomé, aos árabes, a Filipe, a Matias, a Barnabé, a Bartolomeu, a André, a Judas Iscariotes, a Tadeu, a Eva, e assim por diante.

1.2– Actos Apócrifos dos Apóstolos: atribuídos a Paulo, Pedro, Pedro e Paulo, João, André, Tomé e a Tadeu.

1.3– Epístolas Apócrifas: atribuídas aos Apóstolos, a Paulo e a discípulos de Paulo.

1.4– Apocalipses Apócrifos: atribuídos a Pedro, Paulo, Estêvão, Tomé, João e à Virgem.

Podemos assim concluir que não faltou piedade e devoção entre os primeiros cristãos.

2– Crónicas dos Mártires: As crónicas sobre o sofrimento e a morte dos mártires costumavam ser lidas na celebração litúrgica durante o aniversário da morte do mártir. Podem ser divididas em três grupos:

2.1– Actos dos Mártires: São processos judiciais oficiais que informam sobre as questões dirigidas aos mártires e as respectivas respostas. São registos oficiais encontrados nos arquivos públicos. “O termo actos dos mártires (acta ou gesta martyrum) deveria ser reservado a este grupo, porque só aqui temos fontes históricas imediatas e absolutamente confiáveis, que fornecem apenas os dados” (Quasten, I, pág. 176). Pertencem a este grupo os seguintes Actos: São Justino e seus Companheiros, Mártires de Scilli em África e São Cipriano.

2.2– Paixões ou Martírios: Os relatos de testemunhas oculares pertencem a este grupo. Incluem os relatos de São Policarpo, mártires de Viena e Lyon, Perpétua e Felicitas, Santos Carpo, Papilo e Agatonice, e Apolónio.

2.3– Lendas de Mártires: Estes foram compostos algum tempo depois do martírio e o seu conteúdo varia desde uma mistura de factos e ficção, até à pura ficção sem fundamento histórico. Entre estes encontram-se as lendas de Santa Inês, Santa Cecília, Santa Felicidade e seus sete filhos, São Hipólito, São Lourenço, São Sisto, São Sebastião, São João e Paulo, Cosme e Damião, São Clemente, e Santo Inácio.

Pe. José Mario Mandía

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