PAIS DA IGREJA (56)

PAIS DA IGREJA (56)

João Damasceno: o último dos Padres

Finalmente, chegamos a João de Damasco (ou João Damasceno), que muitos consideram como o último dos Pais (Padres) da Igreja. São João, tal como o seu contemporâneo Germano de Constantinopla (aqui abordado na edição anterior), foi um grande defensor da importância das imagens sagradas e dos ícones.

O Papa Bento XVI resume a sua vida do seguinte modo: “João, nascido numa rica família cristã, ainda jovem assumiu o cargo talvez já desempenhado pelo pai de responsável económico do califado. Mas depressa, insatisfeito com a vida de corte, amadureceu a escolha monástica, entrando no mosteiro de São Saba, perto de Jerusalém. Estava-se por volta do ano 700. Sem jamais se afastar do mosteiro, dedicou-se com todas as forças à ascese e à actividade literária, sem desdenhar uma certa actividade pastoral, de que dão testemunho sobretudo as suas numerosas ‘Homilias’” (Audiência Geral de 6 de Maio de 2009).

Para além da defesa dos ícones, São João explicou também o conceito de circumincessão (perichoresis em Grego; circumincessio em Latim) na Santíssima Trindade, que ensina que cada uma das três Pessoas Divinas está presente nas outras duas [Pessoas], uma vez que as três têm uma e a mesma Essência Divina. No Livro 1 da sua famosa obra “Uma Exposição da Fé Ortodoxa”, escreveu: “Deus é Um, isto é, uma essência; e que Ele é conhecido, e tem o Seu ser em três subsistências [Pessoas], no Pai, digo, e no Filho e no Espírito Santo; e que o Pai e o Filho e o Espírito Santo são um em todos os aspectos, excepto no de não ser gerado, no de ser gerado, e no de processão…”. A “Exposição da Fé Ortodoxa” é considerada a versão da Igreja Oriental da “Summa Theologiae” (“Suma Teológica”) de São Tomás de Aquino.

Além disso, o seu amor pela poesia e pela música tornou-se o meio através do qual ele falou sobre a Assunção de Nossa Senhora. Ele é, de facto, chamado “O Doutor da Assunção”.

Voltemos à questão dos ícones, que era a questão candente do tempo de São João. Até os crentes islâmicos caíram no iconoclasmo, tendo adoptado a prática judaica de não utilizar imagens para o culto. Os três “Discursos de São João”, que argumentavam contra os que rejeitavam as imagens sagradas e os seus ensinamentos, chegaram ao 7.º Concílio Ecuménico – o Concílio de Niceia (ano de 787).

O Papa Bento XVI considera que “João Damasceno foi um dos primeiros a distinguir, no culto público e privado dos cristãos, entre adoração (latreia) e veneração (proskynesis): a primeira só pode dirigir-se a Deus, sumamente espiritual; a segunda, no entanto, pode utilizar uma imagem para se dirigir àquele que é representado na própria imagem. Obviamente, em nenhum caso o Santo pode ser identificado com a matéria que compõe o ícone” (Audiência Geral de 6 de Maio de 2009).

O Papa Francisco sublinhou este ponto na sua última Encíclica, Dilexit nos (n.º 50): “Seja qual for a imagem utilizada, é certo que o objecto de adoração é o Coração vivo de Cristo – e nunca uma imagem –, porque faz parte do seu Corpo santíssimo e ressuscitado, inseparável do Filho de Deus que o assumiu para sempre. Ele é adorado enquanto ‘o coração da pessoa do Verbo a quem está unido de modo inseparável’ [Pio VI, Constituição Auctorem Fidei (28 de Agosto de 1794)]”.

Segundo o Santo Padre, “não o adoramos isoladamente, mas na medida em que com esse Coração é o próprio Filho incarnado que vive, ama e recebe o nosso amor. Por isso, qualquer acto de amor ou de adoração ao seu Coração é ‘na realidade e propriamente tributado ao Cristo mesmo’ [Leão XIII, Carta Encíclica Annum Sacrum (25 de Maio de 1899)], porque se refere espontaneamente a Ele e é ‘o símbolo e a imagem sensível da caridade infinita de Jesus Cristo’ [Ibid: Inest in Sacro Corde symbolum et expressa imago infinitæ Iesu Christi caritatis]”.

Como vimos no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, no ponto 446, é a Encarnação que explica a importância das imagens. Damasceno argumentou: “Outrora, Deus nunca fora representado em imagens, uma vez que era incorpóreo e sem rosto. Mas dado que agora Deus foi visto na carne e viveu no meio dos homens, eu represento aquilo que é visível em Deus. Não venero a matéria, mas o criador da matéria, que por mim se fez matéria e se dignou habitar na matéria e realizar a minha salvação através da matéria. Por isso, não cessarei de venerar a matéria através da qual chegou a minha salvação. Mas não a venero de modo algum como Deus! Como poderia ser Deus, aquilo que recebeu a existência a partir do não-ser? Mas venero e respeito também todo o resto da matéria que me propiciou a salvação, enquanto plena de energias e de graças santas. Não é por acaso matéria o madeiro da cruz três vezes santa? E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos não são matéria? O altar salvífico que nos dispensa o pão de vida não é matéria? E, antes de tudo, não são matéria a carne e o sangue do meu Senhor? Deves suprimir o cariz sagrado de tudo isto, ou deves conceder à tradição da Igreja a veneração das imagens de Deus e a dos amigos de Deus, que são santificados pelo nome que têm, e por esta razão são habitados pela graça do Espírito Santo. Portanto, não ofendas a matéria: ela não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível (obra Contra imaginum calumniatores, I, 16, ed. Kotter, págs. 89-90)”.

Este papel da matéria é o que, em tempos recentes, ensinava São Josemaría Escrivá. “O que são os sacramentos – vestígios da Encarnação do Verbo, como afirmaram os antigos – senão a mais clara manifestação deste caminho escolhido por Deus para nos santificar e levar ao Céu? Não vêem que cada sacramento é o amor de Deus, com toda a sua força criadora e redentora, dando-se a nós através de meios materiais? O que é a Eucaristia – já iminente – senão o Corpo e Sangue adoráveis do nosso Redentor, que se oferece a nós através da humilde matéria deste mundo – vinho e pão –, através dos elementos da natureza, cultivados pelo homem, como o quis recordar o último Concílio Ecumênico?” (Homilia “Amar apaixonadamente o mundo”).

Além disso, São João estende este facto à veneração das relíquias dos santos. Eles tornaram-se participantes da Ressurreição de Cristo e, por isso, são semelhantes a Deus. Esta semelhança é a razão pela qual os honramos e às suas relíquias, embora não os veneremos.

Acredita-se que João morreu no seu mosteiro, Mar Saba, perto de Jerusalém, a 4 de Dezembro de 749 d.C.

Pe. José Mario Mandía

N.d.R.: O padre José Mario Mandía regressa no início de Janeiro de 2025, com uma nova coluna semanal.

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *