Bento de Núrsia: uma herança de quinze séculos
Hoje, vamos estudar um homem que teve um grande impacto na civilização e cultura europeias: Bento de Núrsia. Uma grande parte do que sabemos sobre São Bento vem dos “Diálogos” de São Gregório Magno.
No tempo de Bento, assistiu-se à decadência da moral, à invasão das tribos germânicas e ao colapso do Império Romano. São Gregório escreveu que São Bento era uma luz que brilhava naqueles dias sombrios. O Papa Bento XVI acrescentou: “De facto, a obra do Santo e, de modo particular, a sua Regra, revelaram-se portadoras de um autêntico fermento espiritual, que mudou no decorrer dos séculos, muito além dos confins da sua Pátria e do seu tempo, o rosto da Europa” (Audiência Geral de 9 de Abril de 2008).
São Bento nasceu por volta do ano 480 e tinha uma irmã, Escolástica, que é também uma santa muito conhecida. Os seus pais eram abastados e enviaram-no para estudar em Roma. Estudou retórica, a arte de falar, mas sem qualquer formação consequente em virtude. Bento observou como os seus companheiros procuravam o prazer e nada mais. Desiludido com este facto, decidiu abandonar Roma. Por fim, viveu como eremita em Subiaco durante três anos, numa gruta. Esta é actualmente uma parte importante de um mosteiro beneditino chamado “Sacro Speco” (Gruta Sagrada).
“O período em Subiaco, marcado pela solidão com Deus, foi para Bento um tempo de maturação. Ali tinha que suportar e superar as três tentações fundamentais de cada ser humano: a tentação da auto-suficiência e do desejo de se colocar no centro, a tentação da sensualidade e, por fim, a tentação da ira e da vingança. De facto, Bento estava convencido de que, só depois de ter vencido estas tentações, ele teria podido dizer aos outros uma palavra útil para as suas situações de necessidade. E assim, tendo a alma pacificada, estava em condições de controlar plenamente as pulsões do eu, para deste modo ser um criador de paz em seu redor. Só então decidiu fundar os seus primeiros mosteiros no vale do Anio, perto de Subiaco” (Audiência Geral de 9 de Abril de 2008).
A batalha interior de Bento não foi fácil. Por vezes, recorria a meios heroicos para lutar contra a tentação. “Um dia, durante o tempo em que viveu como eremita numa gruta por cima de um lago, o Diabo apresentou à imaginação de Bento uma mulher bela e tentadora. Bento resistiu, rolando o seu corpo contra um arbusto de espinhos até ficar coberto de arranhões. Diz-se que, através destas feridas corporais, curou as feridas da sua alma” (“São Bento de Núrsia”, Catholic Online https://www.catholic.org/saints/saint.php?saint_id=556).
Durante algum tempo, outros monges seguiram Bento. Mas em 529, ele deixou Subiaco e mudou-se para Monte Cassino. Ali, fundou o mosteiro que estabeleceu o padrão para o sistema monástico da Igreja. Monte Cassino era uma grande comunidade de monges. A sua irmã, Escolástica, instalou-se perto deste mosteiro e viveu uma vida religiosa. A Regra que São Bento escreveu continua a orientar a vida religiosa após quinze séculos.
“À obediência do discípulo deve corresponder a sabedoria do Abade, que no mosteiro desempenha ‘as funções de Cristo’ (2, 2; 63, 13). A sua figura, delineada sobretudo no segundo capítulo da Regra, com perfil de espiritual beleza e de compromisso exigente, pode ser considerada como um auto-retrato de Bento, porque – como escreve Gregório Magno – ‘o Santo não pôde de modo algum ensinar de uma forma diferente da qual viveu’ (Dial. II, 36). O Abade deve ser ao mesmo tempo terno e mestre severo (2, 24), um verdadeiro educador. Inflexível contra os vícios é, contudo, chamado sobretudo a imitar a ternura do Bom Pastor (27, 8), a ‘ajudar e não a dominar’ (64, 8), a ‘acentuar mais com os factos do que com as palavras tudo o que é bom e santo’ e a ‘ilustrar os mandamentos divinos com o seu exemplo’ (2, 12). Para ser capaz de decidir responsavelmente, também o Abade deve ser homem que escuta ‘os conselhos dos irmãos’ (3, 2), porque ‘muitas vezes Deus revela ao mais jovem a solução melhor’ (3, 3). Esta disposição torna surpreendentemente moderna uma Regra escrita há quase quinze séculos! Um homem de responsabilidade pública, e também em pequenos âmbitos, deve ser sempre também um homem que sabe ouvir e aprender de quanto ouve” (Audiência Geral de 9 de Abril de 2008).
Bento dá a maior importância à oração e à lectio divina. A oração do homem é alimentada pela Palavra de Deus. É por isso que Bento e os seus monges passavam quatro a seis horas por dia a ler as Escrituras. Isto, porém, não o fez perder de vista a importância dos deveres quotidianos e das necessidades práticas do homem. Ora et labora – oração e trabalho andam juntos. Mas o trabalho mais importante, a “Obra de Deus”, é o Ofício Divino. A Regra decretava: “Imediatamente após ouvir o sinal para o Ofício Divino, todo o trabalho cessará”.
Bento, fundador do monaquismo ocidental, morreu de febre em Monte Cassino, a 21 de Março de 547.
Pe. José Mario Mandía