Santo Agostinho: temas fundamentais
Santo Agostinho pode ser considerado o maior filósofo do Cristianismo primitivo. Além disso, a sua autoridade em matéria teológica exerce grande influência também nos nossos dias. São tão abundantes os escritos de Santo Agostinho que o próprio São João Paulo II disse que era quase impossível resumir o seu pensamento. Na Carta Apostólica Augustinum Hipponensem (28 de Agosto de 1986), o Santo Padre assinalou cinco traços salientes dos seus ensinamentos: (1) Razão e fé; (2) Deus e o homem; (3) Cristo e a Igreja; (4) Liberdade e graça; e (5) Caridade e ascensão do espírito.
(1) RAZÃO E FÉ – Santo Agostinho debateu-se com o problema da relação entre a fé e a razão, e concluiu que ambas devem trabalhar em conjunto. Por isso, dizia: “Crê para compreenderes”, mas também afirmava: “Compreende para acreditares” (Homilia, 43, 9). O Papa João Paulo II reiterou este princípio quando escreveu: “A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade” (Fides et Ratio, 14 de Setembro de 1998). Agostinho argumentava que “ninguém acredita em nada, a não ser que tenha primeiro pensado que deve ser acreditado”, porque “acreditar não é outra coisa senão pensar com assentimento (…) se a fé não for pensada, não é fé” (De praedestinatione sanctorum 2, 5). A fé consiste em aceitar ou assentir algumas verdades, mas antes de as aceitar, é preciso perguntar primeiro por que razão essas verdades são dignas de aceitação: é preciso examinar a sua credibilidade.
Agostinho alarga esta discussão à relação entre fé e cultura. No seu muito lido De civitate Dei (“Cidade de Deus”), Agostinho refuta a acusação de que Roma caiu nas mãos dos bárbaros por causa do Cristianismo. Argumentou que as culturas pagãs têm alguns elementos bons e que o Cristianismo “não suprime nem destrói nada dessas culturas, mas preserva-as e fomenta-as” (De civitate Dei 19, 17).
(2) DEUS E O HOMEM – “O que és Tu para mim (…). Que sou eu para Vós?” (Confissões 1, 5, 5). Este é outro dos temas principais que encontramos em Agostinho. Partindo da consciência que o homem tem de si mesmo como ser existente, pensante e amoroso, chega a Deus como “o Ser do qual procede todo o ser através da criação a partir do nada, a Verdade que ilumina a mente humana para que possa conhecer a verdade com certeza, o Amor que é a fonte e o objectivo de todo o amor verdadeiro” (João Paulo II, Carta Apostólica Augustinum Hipponsensem).
O homem não poderá compreender-se a si mesmo sem Deus e nunca poderá encontrar a sua realização sem Ele. “Fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em ti” (Confissões).
(3) CRISTO E A IGREJA – São João Paulo II escreveu: “Pode dizer-se com razão que o cume do pensamento teológico do bispo de Hipona é Cristo e a Igreja; de facto, poder-se-ia acrescentar que este é também o cume da sua filosofia (…). A Igreja é inseparável de Cristo” (Augustinum Hipponsensem).
Santo Agostinho defende a união hipostática – Cristo é “uma só pessoa em ambas as naturezas [humana e divina]” (cf. Homilia 294.9). Sem esta união, argumenta, não pode haver redenção. As duas naturezas unidas numa só Pessoa (o Verbo) tornam possível que Cristo seja um verdadeiro Mediador entre Deus e o homem.
A Igreja é o corpo místico de Cristo, e o Espírito Santo é a sua alma. Pelo Baptismo, “tornámo-nos Cristo. Tal como Ele é a cabeça, nós somos os membros” (Tratado de João 21, 8). Relativamente ao papel do Espírito Santo, escreveu: “o que a alma é para o corpo de um homem, o Espírito Santo é para o corpo de Cristo, que é a Igreja” (Homilia 267, 4). O Espírito Santo une os fiéis à Trindade e entre si e é, portanto, a fonte da comunhão. Além disso, a Igreja é também mãe e mestra.
(4) LIBERDADE E GRAÇA – A interacção entre liberdade e graça é um mistério profundo.
O bispo de Hipona “defendeu sempre a liberdade como uma das bases da antropologia cristã, contra os seus antigos correligionários (“Sobre o livre arbítrio” 3, 1, 3), contra o determinismo dos astrólogos, de que ele próprio tinha sido vítima (Confissões 1, 3, 4), e contra todas as formas de fatalismo (De civitate Dei 5, 8); explicou que a liberdade e a presciência não são incompatíveis (Sobre o livre arbítrio 3, 4, 10-11), nem a liberdade e o auxílio da graça divina” (Augustinum Hipponsensem).
A graça, porém, é também necessária. “Deus não ordena o que é impossível; mas quando ordena, exorta-vos a fazer o que podeis e a pedir o que não podeis fazer” (“Sobre a natureza e a graça” 43, 50). Assegura-nos que Deus “não nos abandona se nós não o abandonarmos primeiro” (Sobre a natureza e a graça 26, 29).
(5) A CARIDADE E A ASCENSÃO DO ESPÍRITO – Santo Agostinho ensinava que a perfeição cristã consiste essencialmente na caridade (Sobre a natureza e a graça 70, 84). São Paulo indica-a como o primeiro fruto do Espírito Santo (cf. Gálatas 5, 22). “Tende caridade e tereis tudo; porque sem caridade, tudo o que tiverdes será inútil” (Tratado de João 32, 8). Foi esta caridade que levou Agostinho a empenhar-se na contemplação.
Concluamos com algumas palavras do Papa Bento XVI: “Quando leio os escritos de Santo Agostinho não tenho a impressão que é um homem morto mais ou menos há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com a sua fé vigorosa e actual. Em Santo Agostinho que nos fala, fala a mim nos seus escritos, vemos a actualidade permanente da sua fé; da fé que vem de Cristo, Verbo Eterno Encarnado, Filho de Deus e Filho do homem. E podemos ver que esta fé não é de ontem, mesmo tendo sido pregada ontem; é sempre de hoje, porque Cristo é realmente ontem, hoje e para sempre. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Assim nos encoraja Santo Agostinho a confiar-nos a este Cristo sempre vivo e a encontrar assim o caminho da vida” (Audiência Geral de 16 de Janeiro de 2008).
Pe. José Mario Mandía