«Nenhum homem é uma ilha»
Nasceu Sebastiano D’Ambra, em Aci Trezza, vilarejo transalpino junto ao mar. O ano era o de 1942, apogeu da Segunda Guerra Mundial. Cresceria o pequeno Sebastiano – habituado a ver no horizonte, maravilhado, o perfil do Etna, o maior vulcão da Europa – numa época marcada por imensas dificuldades, embora a família possuísse alguns negócios que ajudaram a mitigar a situação. Desde cedo perguntou a si mesmo por que razão todos agiam como se fossem ilhas isoladas, «sem a devida conexão e amor pelos demais». A guerra, a pobreza e as desavenças tinham sido as suas primeiras experiências, sem que tal abalasse a vontade de viver e cultivar a amizade, «principalmente na Paróquia».
Originário de uma família muito religiosa acabaria por ingressar no seminário diocesano de Acireale, «com apenas dez anos de idade». Aí aprendeu inúmeras coisas, «sobretudo a jogar à bola, mas também a rezar e a estudar». Gostava de ouvir as estórias dos missionários que visitavam a instituição de quando em vez, e ficava sempre comovido com tais testemunhos. Passou a promover no dia-a-dia «o espírito missionário» e nunca esqueceu o que dissera um desses padres visitantes: «Meus queridos seminaristas, temos apenas uma vida e devemos gastá-la da melhor maneira possível. Portanto, pensem bem o que vão fazer dela». Sebastiano ficou impressionado. Nesse mesmo dia decidiu tornar-se missionário. Passou a rezar mais intensamente ainda e compartilhou o seu desejo com o director espiritual. Após anos de estudos de Filosofia ingressou no “Pontificio istituto missioni estere” (PIME), instituição vocacionada para as missões em todo o Mundo. Curiosamente, os estudos coincidiram com a realização do Concílio Vaticano II (1962-1965), e de entre os novos documentos promulgados nessa assembleia sensibilizou-o, sobremaneira, o do convite ao diálogo inter-religioso, também conhecido na época como “novo caminho” da Missão. Pretendia a Igreja Católica que a mensagem cristã chegasse também às pessoas de outras religiões. Um desejo não no sentido da “conversão”, mas sim no da demonstração do “testemunho do amor de Deus”, por parte dos cristãos, junto de pessoas de outros credos. Enfim, o que hoje se designa de “diálogo inter-religioso”.
Após a sua ordenação, em 1966, o padre Sebastiano D’Ambra foi designado responsável-mor pelo seminário do PIME na Sicília e, uns anos depois, na companhia de outros dois padres desse instituto, cumpriu trabalho pastoral entre os jovens, «nesses tempos críticos de 1968», ano marcado por uma inaudita revolução de costumes. «Pudemos ajudar muitos jovens a idealizar connosco uma nova sociedade sustentada numa vida cristã renovada», lembra o padre D’Ambra. Havia, porém, outros desafios mais aliciantes e os três sacerdotes pediram que os enviassem em missão para fora da Europa. Mindanau, nas Filipinas, foi o destino escolhido. Vivia essa ilha, sob a ditadura de Ferdinand Marcos, um período muito conturbado. Vigorava a Lei Marcial e um conflito contínuo entre o Governo e um grupo muçulmano independentista chamado “Frente Moro de Libertação Nacional” (MNLF). Esta situação dramática, agravada pela pobreza e pela discriminação dos Subanon, «um grupo indígena na área da minha missão em Siocon, Zamboanga del Norte», levou-o a prestar mais atenção aos muçulmanos e ao conflito em curso. O limitado conhecimento do idioma local não o impediu de contactar com os refugiados. Estes, mostraram-se surpresos ao ver aquele jovem sacerdote estrangeiro a prestar-lhes atenção, e muitos deles ficaram seus amigos. Entusiasmado, o padre Sebastiano envidou todos os esforços para conviver com mais muçulmanos ainda e a fazer novas amizades. E fê-lo ao ponto de ser convidado por um comandante do MNLF a desempenhar o papel de negociador entre esse grupo rebelde e o Governo. Sebastiano aceitou sem hesitações, apesar de ter noção da perigosidade da tarefa. «Estou sempre pronto a arriscar quando estou convencido de que posso ajudar», confessa.
Os dois anos de vida com os homens do MNLF – «subindo e descendo as florestas montanhosas de Zamboanga del Norte» – foi um dos mais importantes capítulos da sua vida. Imortalizá-los-ia num livro intitulado “Call to a dream”. Recebeu muito amor da parte do povo, «sobretudo dos muçulmanos», e muito ódio da parte dos militares, pois a sua presença impedia-os de aplicar a preferencial estratégia de «matar e oprimir as pessoas». Por isso, tentaram matar o padre italiano em diversas ocasiões. «Mas o Senhor salvou-me de muitas maneiras», acentua Sebastiano D’Ambra. Esse capítulo da sua vida missionária chegou ao fim quando os seus superiores o chamaram de regresso a Itália. «Tornara-se muito perigoso para mim permanecer naquela área…», admite. Sebastiano D’Ambra, porém, não desistiu do seu sonho de continuar a «missão em prol do diálogo». Em Roma estudou no Pontifício Instituto de Estudos Árabes e Islâmicos (PISAI) e munido dessa experiência pôde viajar para muitos países muçulmanos, «incluindo a Arábia Saudita e o Egipto». Em 1983, regressou às Filipinas (onde hoje permanece) como superior regional do PIME e pôde iniciar na cidade de Zamboanga o “Movimento de Diálogo Silsilah”, cuja filosofia e actividade foi já abordada nas páginas d’O CLARIM(ver edição de 7 de Outubro de 2022).
Joaquim Magalhães de Castro