Fé e conforto nas enfermarias dos hospitais
Desde meados de Dezembro que não tem mãos a medir. Capelão do Centro Hospitalar Conde de São Januário, o padre José Ángel Hernández, SVD, tem dividido os dias pelas duas principais unidades hospitalares de Macau. A sua missão? Oferecer conforto espiritual para quem se prepara para embarcar na “última viagem”. Apesar de privar todos os dias com a doença, ainda não testou positivo ao Covid-19.
Num único dia, o padre José Ángel ungiu e administrou os últimos ritos a cinco pessoas. Desde que deixou de ser responsável pela paróquia de Nossa Senhora de Fátima, sensivelmente há um ano, o sacerdote mexicano passa grande parte do seu tempo nas duas principais unidades hospitalares de Macau, mas as últimas quatro semanas têm sido particularmente frenéticas e exigentes, quer a nível físico, quer do ponto de vista espiritual.
«Adoeceu um grande número de pessoas ao mesmo tempo, muitos idosos em particular. Eu tenho que estar preparado para que me chamem a qualquer altura. Estava, de certa forma, à espera que isto acontecesse e agora, que esse momento chegou, o que está a acontecer é que vou ao hospital, regresso a casa, recebo uma chamada e volto ao hospital de novo, e quando regresso a casa tenho outra família a ligar-me», confidenciou o missionário da Congregação do Verbo Divino, à margem de uma visita – mais uma – à ala de pacientes terminais do Hospital Kiang Wu. «Apesar de tudo, sinto a força que o Senhor me transmite, sinto que Ele me guia e que trabalha através de mim, até porque, de um ponto de vista humano, tudo isto é esmagador. Num único dia, ungi cinco moribundos», revelou.
Oficialmente, até à última quarta-feira, 11 de Janeiro, morreram em Macau 95 pessoas vítimas de Covid-19, mas a gestão de esforço a que o Centro Hospitalar Conde de São Januário e o Hospital Kiang Wu estão sujeitos desde meados de Dezembro, a par das seis centenas de óbitos registados pelas autoridades no mês passado, aponta para um impacto bem mais severo.
O panorama é confirmado pelo padre José Ángel, em declarações a’O CLARIM, num depoimento recolhido na terça-feira. «Este cenário agravou-se antes do Natal, quando muitas pessoas começaram a adoecer, muitas delas depois de terem testado positivo ao Covid-19. E até agora não tem abrandado», disse, acrescentando: «Vim ao Hospital Kiang Wu a pedido de uma pessoa que foi minha paroquiana, em Fátima. Está a morrer. Uma outra paciente, aqui no Kiang Wu, quer ser baptizada e eu estou a prepará-la para receber o Sacramento do Baptismo. Está na enfermaria dos doentes terminais e quero baptizá-la ainda hoje. Mais logo tenho de ir ao Conde de São Januário para ungir uma pessoa que lá está internada».
ALÍVIO E CONFORTO
A Igreja Católica professa e ensina que a Santa Unção é um dos Sete Sacramentos do Novo Testamento, instituído por Jesus Cristo, insinuado em São Marcos, recomendado aos fiéis e promulgado por São Tiago, apóstolo e irmão do Senhor. A Unção dos Enfermos é administrada aos que se encontram doentes em perigo de vida, ungindo-os na fronte e nas mãos. O gesto tem o poder de redimir os pecados daqueles que já não se conseguem submeter ao Sacramento da Confissão e constitui para muitos um último fôlego de conforto perante a proximidade da morte, antes de partirem ao encontro do Criador. «O Sacramento da Santa Unção é uma forma de transmitir a graça do Senhor. Alguns deles ainda se conseguem confessar, mas a maior parte já não tem essa capacidade. Este Sacramento, no entanto, também possui a graça de perdoar os pecados e de preparar as pessoas para irem ao encontro do Senhor. É, na verdade, uma graça extraordinária porque lhes oferece a garantia que o Senhor os vai receber. A maior parte das pessoas a quem administro a Santa Unção acaba por morrer», admitiu o padre José Ángel.
Confrontados com a inevitabilidade e a iminência da morte, muitos dos enfermos aos quais o sacerdote oferece um último rasgo de consolação e a promessa de felicidade eterna acabam por pedir para ser baptizados nos últimos dias de vida. Apesar de breve, a descoberta da plenitude de Cristo é intensa e deixa marcas, quer em quem se despede, quer nas famílias que vêem partir os seus familiares. «Os católicos, obviamente, recebem os Sacramentos. Mas há outros enfermos que, por vezes, me pedem para os abençoar. Mesmo não sendo católicos, eles respeitam a bênção e mostram-se muito receptivos. Algumas destas pessoas não têm religião e eu convido-as a abrirem o coração à transcendência do Senhor. Pergunto-lhes se querem a felicidade eterna. Pergunto-lhes onde a conseguem encontrar. Na Terra? Ou no céu?», contou o missionário. «É curioso que se lhes falo de felicidade eterna, elas ouvem com atenção. Se lhes falo de vida eterna, se lhes digo que podem aspirar à vida eterna, rejeitam a ideia porque consideram a vida uma fonte de sofrimento. Mas se em vez de vida lhes falo de felicidade, mostram maior abertura e predispõem-se a ouvir e, no final, algumas destas pessoas pedem para ser baptizadas».
O padre José Ángel faz jus ao nome – “Ángel” é a designação castelhana para “Anjo” – sempre que, para além de oferecer conforto espiritual, consegue aproximar quem parte no caminho da Salvação. Essa é, para qualquer sacerdote, a maior das alegrias. «Graças ao Senhor, foi-me dada a oportunidade de seguir alguns destes enfermos, que acabam por me pedir para ser baptizados. Depois de serem baptizados, administro a Santa Unção e alguns deles morrem pouco depois. Quando prestamos este tipo de assistência, há na tradição chinesa o hábito, por parte das famílias, de pedir ao mesmo sacerdote que se encarregue dos serviços fúnebres», explicou ainda, concluindo: «Para além de administrar a Santa Unção, tenho também, por estes dias, feito muitos funerais».
Marco Carvalho