PADRE CYRIL LAW FALA A’O CLARIM SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA DIOCESE DE MACAU NA FASE CONTINENTAL DO SÍNODO SOBRE A SINODALIDADE EM BANGUECOQUE, NA TAILÂNDIA

PADRE CYRIL LAW FALA A’O CLARIM SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA DIOCESE DE MACAU NA FASE CONTINENTAL DO SÍNODO SOBRE A SINODALIDADE EM BANGUECOQUE, NA TAILÂNDIA

«A formação é o tópico que deve estar no topo das prioridades»

O chanceler da diocese de Macau, padre Cyril Law, representou a Igreja local na Assembleia Continental da Ásia do Sínodo sobre a sinodalidade. Regressado ao território, o sacerdote revelou a’O CLARIM que a “formação” dos fiéis leigos foi por sua iniciativa colocada entre as prioridades constantes no documento final esboçado em Banguecoque. Das conversas mantidas com membros da Igreja provenientes de diferentes países asiáticos, ficou a percepção de que a realidade católica em Macau é muito semelhante à de outras latitudes, fruto em grande medida do multiculturalismo que está na génese das sociedades desta zona do globo.

O CLARIM– O Sínodo sobre a sinodalidade entrou agora na chamada fase continental. Como descreve a reunião da Assembleia Continental da Ásia, realizada há dias em Banguecoque?

PADRE CYRIL LAW –Este encontro da Assembleia Continental da Ásia foi, definitivamente, uma aprendizagem para todos. Aos delegados foi proposto uma metodologia de diálogo, intitulada “diálogo espiritual”, no qual é cumprida uma metodologia e fixado um período de oração. Este é cumprido por cada uma das pessoas que formam pequenos grupos num limite temporal de dois minutos, sem que outros intervenham; seguem-se dois minutos de oração silenciosa. Na segunda ronda, cada membro responde a um ponto ou dois dos referidos por outra pessoa na primeira ronda. Por último, na terceira ronda, são cumpridos mais dois minutos de oração e todos os participantes envolvem-se na discussão. Durante três dias, esta é a metodologia a seguir, sendo preparado um texto para o Comité em funções. São debatidas e analisadas as preocupações mais prementes, procurando compreender as todas as vertentes das matérias em discussão. Trata-se de um encontro que implica uma forma muito particular de conversar, ouvir e discutir.

CL– Percorrer o caminho sinodal é renovar o compromisso de caminhar como Igreja. Nas reflexões realizadas que pontos em comuns encontrou entre as outras Igrejas na Ásia e a Igreja em Macau?

P.C.L. –Diria que foram levantadas algumas preocupações por parte de delegados de dioceses ou comunidades eclesiásticas, que talvez soem parecidas com a nossa experiência em Macau, incluindo uma vasta variedade de línguas, raças e diferenças culturais, bem como a presença de imigrantes. Por exemplo: os imigrantes filipinos, que constituem a maioria dos católicos em muitos países asiáticos; o seu papel de missionários leigos nas terras em que se encontram é uma experiência que talvez pudesse ser melhor aproveitada e promovida. Outra experiência semelhante é o modo como as diferentes Igrejas saíram da pandemia e como lidaram com os novos meios digitais de comunicação para as massas, no intuito de divulgarem a Mensagem do Evangelho. Outro ponto de contacto entre diferentes realidades é o vício no uso da “media”, tendo criado muitas dependências: recurso à pornografia “online”, jogos de azar “online”, extorsão económica e até exploração sexual por meio de diferentes tipos de armadilhas. Estas são áreas que uma vez referidas pelos delegados da Ásia encontraram eco nos seus pares.

CL– Que tipo de preocupações específicas levou o padre Cyril, enquanto delegado de Macau, à Assembleia Continental da Ásia, tendo em conta a multiculturalidade da Igreja em Macau?

P.C.L. –Em Macau temos uma dimensão multilingue e multicultural, tradicionalmente fomentada por filipinos, macaenses, portugueses, chineses da província de Cantão, etc. Às vezes, o problema é como encontrar uma linguagem comum através da qual todos estes grupos possam realmente sentar-se e compartilhar as ideias uns dos outros. Claro que recorrer a traduções ou tradutores é um dos meios possíveis, mas é uma tarefa demorada e não é fácil encontrar pessoas que se dediquem totalmente ou se engajem nesse processo. A maneira de encontrar canais eficazes de comunicação entre os vários grupos é algo que talvez ainda exija alguma análise e ponderação. Fiz notar aos delegados que Macau foi uma das regiões que mais sofreu com as quarentenas e sucessivos confinamentos; e que apenas muito recentemente, em Dezembro e Janeiro, suspendemos todo o tipo de restrições às viagens de e para Macau. Pelo que a sociedade de Macau ainda sente o impacto da perda de vidas humanas, de entes queridos. Um impacto emocional sentido pelas famílias; foram perdas a nível espiritual, sacramental e pastoral. Um ministério para estas famílias é algo que obviamente consome muita energia aos pastores. Há necessidade de reconfortar as famílias que sofrem pelas mortes resultantes do relaxamento das medidas de prevenção contra o Covid-19. É uma realidade que temos de enfrentar, reconhecendo, ao mesmo tempo, a necessidade das medidas de relaxamento por forma a revitalizar o crescimento socioeconómico da sociedade. Por outras palavras, a Igreja sofre as mesmas dores e angústias, preocupações e esperanças de toda a sociedade, no que a esta matéria diz respeito.

CL– O encontro de Banguecoque foi um dos últimos passos para a discussão mais ampla e universal que a Cúria Romana irá ter sobre os novos caminhos da sinodalidade. Que assuntos foram discutidos durante a reunião?

P.C.L. –Não tenho liberdade para divulgar todos os pontos, porque os que foram incorporados na redacção do texto final ainda estão em fase de discussão e, portanto, exigem um certo grau de confidencialidade. O documento terá ainda que passar pelos Bispos asiáticos, a quem caberá concluir a versão final do texto referente à etapa continental. No entanto, posso adiantar qual a área que considerámos mais prioritária. Posso falar em nome do meu pequeno grupo – um dos doze pequenos grupos. Para nós a “formação” é o tópico que deve estar no topo das prioridades – a formação dos leigos, de seminaristas, de futuros catequistas e evangelizadores. Há que dar formação a todos os níveis, a fim de melhor prepararmos os trabalhadores da vinha para que estes compreendam e pratiquem os ensinamentos básicos da Igreja, e assim também saibam transmiti-los eficazmente à próxima geração. Deve-se fortalecer a Catequese de base e qualquer outra pastoral que necessite de formação prévia. Este é um dos assuntos que deveria concentrar mais a nossa atenção. Após algum debate, ficámos com a sensação de que houve consenso nesta matéria; foi um dos pontos referidos nos relatórios dos outros onze grupos de trabalho.

CL– O que o Sínodo sobre a sinodalidade pode trazer de novo à Igreja na Ásia, tendo em conta que ela prospera num contexto minoritário?

P.C.L. –Com excepção das Filipinas e Timor-Leste, sendo o Cristianismo uma minoria na Ásia, o contributo de todos é já de si uma forma de cooperação entre as diferentes Igrejas. O que tem sido feito – e se deve continuar a fazer – é colaborar com organizações de boa vontade, como são as organizações de ajuda humanitária e todas as agências que promovem a dignidade humana, a protecção dos vulneráveis e realizam outros tipos de serviços sociais de caridade. Porque todos compartilhamos os mesmos valores, como a dignidade da pessoa humana, o respeito e a protecção da vida, e a promoção da paz e da justiça. A colaboração entra a Igreja na Ásia e as organizações de boa vontade, de uma forma cuidadosa e sólida, é testemunho e medida concreta do que devemos levar adiante, pelo menos à escala continental.

CL– Como os fiéis leigos podem contribuir no processo de sinodalidade? Na sua opinião, como podem os católicos de Macau participar e tirar ideias deste processo?

P.C.L. –A liderança leiga tem sido frequentemente apontada como factor de formação a todos os níveis, implicando grandes investimentos, principalmente na formação de novos líderes leigos. Algumas Igrejas têm falta de recursos, seja em termos de mão-de-obra ou de sustentabilidade financeira, para poder contar com o contributo dos leigos a tempo inteiro. Sejamos realistas, para que haja fiéis leigos a dedicarem-se a tempo inteiro à Igreja, é necessário remunerá-los de modo justo. Mas, de facto, há comunidades que simplesmente não têm apoio financeiro. Portanto, a participação leiga puramente voluntária é já é uma tradição enraizada há muito tempo. É que ao contrário de Igrejas há muito estabelecidas e ricas, outras há que não têm meios para criar uma plataforma profissional, maioritariamente constituída por leigos, que trabalhe em tempo integral para o desenvolvimento dos diferentes ministérios das Igrejas, potenciado assim o alcance da sua actividade. No contexto de Macau, podemos constatar que a recente constituição de várias comissões e organismos transversais à diocese de Macau, cuja maioria dos cargos são assumidos por leigos, tem permitido um maior empenho da Diocese em áreas como a formação catequética, matrimónio, liturgia, meios de comunicação social, cultura, artes, exposições, arquivos, etc. Quero então com isto dizer que a Igreja em Macau já deu grandes passos; já vemos alguns frutos destas iniciativas. Também com a abertura e o funcionamento do Centro Juvenil Diocesano, os jovens leigos – à semelhança dos mais velhos – passaram a estar dotados de canais próprios e amplos para conhecerem e participarem activamente nas várias actividades da Igreja que lhes são disponibilizadas. Há casas de retiro, que são basicamente dirigidas por leigos, como por exemplo a Vila de São José, em Cheoc Van.

CL– Sendo o padre Cyril responsável por todo o processo de consulta em Macau, há problemas a resolver ou melhorias que devam ser feitas, em relação ao processo sinodal em curso?

P.C.L. –Claro que se pode sempre fazer mais. Depende muito dos párocos e dos líderes das organizações a condução destes processos de consulta. Em rigor, não lhes deveríamos chamar “de consulta”. Na realidade, trata-se mais de um certo modo de estar, segundo a opinião do secretário-geral. As diferentes comunidades envolvem-se e depois comunicam e ouvem, participam e têm sentido de comunhão. São as três palavras-chave, certo? Missão, Comunhão e Participação! É este o ponto principal de todo o Sínodo. Não se trata propriamente de produzir um documento. Trata-se, acima de tudo, de discernir sobre as quais são as verdadeiras prioridades, conhecer as condições inerentes a cada realidade, examinar os caminhos a seguir, etc. Portanto, depende muito do impulso dado pelos líderes e da vontade dos participantes em expressar as suas preocupações. Agora, o obstáculo prático que tivemos que superar foi um período de sucessivos bloqueios, seguido de um desconfinamento, em Dezembro e Janeiro, que muito pressionou a sociedade, com inúmeras pessoas a adoecer. Tudo isto fez com que o processo não tenha sido mais florescente, mas na Assembleia de Banguecoque pudemos testemunhar ao reacender do processo sinodal. Não nos esqueçamos que o Papa Francisco estendeu o prazo final a Outubro de 2024. Uma das questões debatidas em Banguecoque foi o que queremos que aconteça entre hoje e Outubro de 2024. Considero que em Macau podemos realmente reacender o processo. Não precisamos de o encarar como algo que já foi feito e enviado. Não, na verdade podemos dizer que o processo está apenas a começar, principalmente quando – finalmente – abandonámos as medidas de prevenção e combate ao Covid-19.

A Redacção

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