Os poderes da Imprensa Livre

Quem como eu viveu nos tempos da censura em Portugal não pode deixar de se sentir agradecido às transformações que o País sofreu com o 25 de Abril de 1974. Nem tudo o que se passou entretanto merece a minha maior consideração, mas o facto de dispormos hoje de uma Imprensa que não está sujeita ao lápis azul dos antigos censores da ditadura, e não termos de interpretar as entrelinhas de alguns jornais sérios da época para conseguir perceber o que se passava no País e no mundo, tem um alcance que vai muito para além da liberdade de Imprensa em si mesma.

Nem sempre concordo com muitos dos critérios jornalísticos actuais, alguns mais preocupados com as vendas do seu “papel”, interessados no abastardamento da opinião pública e na manipulação dos leitores em função dos desejos dos seus editores, mas sou obrigado a considerar que o papel da Imprensa livre, apesar dos seus defeitos, é um elemento fundamental para que existam cidadãos livres e, naturalmente, críticos.

Vem isto a propósito do facto, já por mim comentado nesta coluna de opinião, de que em Portugal, cuja história não o poupou ao enraizamento de alguns vícios, a exigência de transparência de comportamento por quem exerce ou exerceu cargos públicos tornou-se um motivo extraordinário para atrair leitores e um meio essencial para efectuar uma “limpeza” nalguns usos e costumes que tanto nos têm prejudicado. E, nestes casos, tendo em consideração a prerrogativa legal do respeito pelo segredo de justiça e a morosidade e eficácia no desempenho das instituições, a denúncia das investigações em curso acaba por se apresentar como uma ferramenta de vigilância dos cidadãos sobre todos aqueles que têm responsabilidades públicas. Bem certo que se fazem juízos apressados e condenações na rua, mas após o apuramento jurídico dos factos, com ou sem concretização da culpabilidade dos intervenientes, os cidadãos aprendem a moderar os seus juízos, a sentir mais confiança na vigilância das suas instituições, o sector judiciário aprende com os seus erros e os novos e velhos prevaricadores passam a estar mais inibidos.

Num momento em que a desconfiança nos políticos e as suas ligações com outros sectores importantes da vida da sociedade é motivo para uma certa descredibilização no sistema que se pretende preservar, os eventuais erros da justiça ou as injustiças dos julgamentos na praça pública são um mal menor face à grande moralização de que a sociedade portuguesa necessita.

Desta vez e após o indiciamento por corrupção de vários agentes da Administração Pública, incluindo políticos e banqueiros, entre outros, por parte do Ministério Publico, um semanário de referência em Portugal denunciou que Manuel Pinho, ex-ministro da Economia do antigo Governo de José Sócrates, é suspeito de, entre 2002 e 2014, ter recebido 3,5 milhões de euros da Espirito Santo Entreprises (saco azul de Ricardo Salgado/BES), através de sociedades “offshore”, pagamentos esses que abrangem o período em que exerceu o cargo de ministro.

A investigação em curso e que o Parlamento português segue de perto associa o antigo ministro da Economia (agora constituído arguido por corrupção) ao acordo que realizou das exorbitantes rendas que são pagas pelo erário público à EDP (dois mil e 500 milhões de euros desde 2007) e da qual o GES/BES é accionista, durante o período em que foi ministro (2005-2009).

Toda esta “história”, ainda em evolução, poderia apresentar-se como mais um caso isolado, não fora o facto dela se envolver em toda uma série de “ligações perigosas” com António Mexia, presidente executivo da EDP e antigo ministro das Obras Públicas do Governo de Santana Lopes; João Manso Neto, administrador da EDP (ambos constituídos arguidos); Ricardo Salgado, antigo administrador do BES e antes considerado o DDT (“Dono Disto Tudo”), a contas com vários processos judiciais em curso; e, finalmente, José Sócrates, o antigo Primeiro-Ministro, arguido em vários processos de corrupção, branqueamento de capitais, etc.

Embora longe de finalizado este processo, a importância desta investigação em que, mais uma vez, é associado o poder político ao poder económico e financeiro, numa teia de relações ilegais entre corruptores e corrompidos, transcendeu de imediato os eventuais autores, conduzindo o Partido Socialista a distanciar-se publicamente de José Sócrates e Manuel Pinho, ex-ministros de Governos socialistas, aumentando o nível de exigência ética entre os seus membros. O caso Manuel Pinho revelou-se assim como o pingo que fez transbordar o copo de uma vergonha mal disfarçada.

Na avaliação deste caso e de outros anteriores, não se pense que este mal é endémico aos socialistas. Outros destacados membros de outros partidos, nomeadamente do PSD, também foram e são objecto de investigação, tornando a frase “o poder corrompe” muitas vezes verdadeira, em Portugal e noutros lugares do mundo.

A investigação jornalística tem, no caso português, dado excelentes frutos em favor da moralização da vida democrática, situação que seria impossível sem o contributo de uma Imprensa livre.

LUIS BARREIRA

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