Relações e contactos sem pessoas
O historiador israelita Yuval Noah Harari referiu, em entrevista à Fundação Francisco Manuel dos Santos, a sua observação de pessoas a exclamar: estou tão “excitado” por este encontro contigo! A sugerir que muitos, hoje, precisam de encontros e conversas; a solidão faz ansiar por encontros empáticos e conversas. Vive-se a correr, sem tempo para isso, num mundo de cada vez mais pessoas mudas, surdas e cegas, sem tempo para os ansiosos por encontros de fala recíproca e coração. “Como ovelhas fatigadas e abatidas sem pastores compassivos” (cf. Mt., 9, 36), sofre-se cada vez mais da sede e fome de alguém. Tem cabimento o apelo de Cristo: «vinde a Mim todos os que estais cansados e oprimidos e Eu vos aliviarei» (Mt., 11, 28-30). Doses repetidas de prazer, de poder e de ter não saciam a falta de relação humanizada. Santo Agostinho tentou saciar-se com coisas e algumas relações com pessoas das filosofias, mas acabou por concluir com a sua afirmação intemporal: “Fizeste-nos para Ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti” (As Confissões, I, 1,1).
Este tempo de rapidez incrível, mudanças artificiais e magia irreal, não permite maturar o biológico, o mental e o espiritual do transcendente divino. Destrói-se a criação e a pessoa, e tenta-se destruir Deus. Espanta que os homens façam tanta coisa com inteligência e se destruam reciprocamente. Com tanta pressa e conectado a coisas a criança e o jovem não se desenvolvem como humanos nem como peregrinos do Além. É preciso parar e pensar com ajuda de pessoas. O Papa Francisco lamenta a «pressa diária, que não deixa parar, socorrer e cuidar do outro»; nem «escutar, dialogar, compreender» nem os «vizinhos de casa», com encontros recíprocos. «Uma esmola apressada» é pouco. A pressa é censura que não é só do tempo de Salazar (no regime do Estado Novo). Há censura na rádio, televisão e noutros meios, com truques para não se pensar. As coisas mais importantes são lidas de forma apressada, ansiosa e com má dicção; as banalidades, interesseiras para alguns, roubam todo o tempo, repetidas meia-dúzia de vezes com muita ênfase.
O leitor que verifique e tome nota. Sem boas relações humanas não há pessoas boas. Sem relação espiritual com as três pessoas da Trindade, os cristãos não alcançam a santidade. «Homens sede homens», disse Paulo VI em Fátima; «homens, sede bons»!
Pe. Aires Gameiro
Membro da Ordem Hospitaleira de São João de Deus
LEGENDA: Yuval Noah Harari